Bem longe de casa, Donald Trump protagonizou o maior comício da sua vida. No início da sua visita à Índia, esta segunda-feira, o Presidente dos Estados Unidos foi recebido por mais de 100 mil pessoas exultantes que encheram um estádio de críquete em Ahmedabad, no Gujarate, estado natal do primeiro-ministro, Narendra Modi. Em vez dos costumeiros bonés vermelhos a dizer “Make America Great Again”, quem recebeu Trump usou bonés brancos onde se lia “Namaste Trump”, ou “Bem-vindo, Trump”, em hindi. “A América adora a Índia”, declarou o Presidente dos EUA, enquanto o seu discurso era traduzido nos ecrãs gigantes. Contudo, nem todos os indianos o adoram, nem a Modi, seu aliado próximo: houve protestos um pouco por todo o país, pouco antes da chegada de Trump.
Na capital, Nova Deli, a mais de 930 quilómetros de Ahmedabad, agentes de segurança dispararam gás lacrimogéneo e granadas de fumo contra milhares de manifestantes que protestavam contra a nova lei da cidadania, que aceita refugiados de países vizinhos, mas exclui todos os que sejam muçulmanos. Mais de dois meses depois de a lei ter sido aprovada, os protestos continuam, com bloqueios de estradas e vigílias: afinal, muitos dos mais de 200 milhões de muçulmanos indianos sentem que a lei legitima a discriminação.
Também saíram à rua centenas de apoiantes da lei da cidadania, proposta pelos nacionalistas hindus do Partido do Povo Indiano (BJP em hindi), o partido de Modi. Em Nova Deli, confrontaram-se com os opositores da lei, apedrejando-se uns aos outros, este domingo, antes de as multidões serem dispersas por cargas policiais: morreram pelo menos dois manifestantes muçulmanos e um polícia, segundo a BBC. No dia seguinte, no comício em Ahmedabad, Trump gabou a história de tolerância religiosa da Índia, onde “muitas profissões religiosas convivem lado a lado”.
Mas as tensões religiosas na Índia também têm uma componente geopolítica. Ao lado fica o Paquistão, de maioria muçulmana, um país formado pela partição dos domínios britânicos na região. Trata-se de uma potência nuclear, à semelhança da Índia, com quem disputa a posse da Caxemira. Ainda o ano passado, os dois rivais pareceram à beira de uma guerra: Modi tem acusado o Paquistão de cumplicidade com grupos terroristas islâmicos e chegou a bombardear o seu território.
“A maior ovação das mais de 100 mil pessoas foi quando ele [Trump] falou sobre trabalhar de perto com o Paquistão para combater o terrorismo. Certamente disse as coisas certas”, comentou Elizabeth Puranam, correspondente da Al Jazira.
Lua-de-mel em risco Depois disso, o Presidente norte-americano seguiu para uma visita ao Taj Mahal, monumento de amor do séc. xvii que o imperador mogol Shah Jahan mandou construir para a sua falecida esposa, Mumtaz Mahal. A lua- -de-mel entre Modi e Trump arrisca, contudo, azedar com a tensão por causa do acordo comercial entre os EUA e a Índia: em tempos, Trump chegou a apelidar Modi de “rei das tarifas”.
Agora quer diminuí-las para produtos norte-americanos, como laticínios, motas ou amêndoas californianas – que têm a Índia como o seu maior comprador. Ainda assim, os EUA mantêm um défice comercial de mais de 20 mil milhões de dólares com a Índia, muito graças à importação de arroz, especiarias e óleos essenciais indianos.
Modi pode ser um “amigo verdadeiro”, avisou Trump antes da visita, mas também é um “negociador duro”, admitiu. Contudo, o Presidente dos EUA tem na manga um acordo de cooperação militar com a Índia, envolvendo a venda de três mil milhões de dólares (mais de 2,75 mil milhões de euros) em armamento norte-americano a Nova Deli, o que ficará dependente de um acordo comercial.