O crescimento do nacionalismo xenófobo e racista não se remete apenas aos países ditos ocidentais e, se há exemplos do teor mortífero de uma ideologia que tem assombrado muitos países do globo, a Índia é um deles. Os motins na capital, Nova Deli, contra muçulmanos já levam mais de quatro dias consecutivos, perfazendo quase 30 vítimas mortais (uma delas um polícia). E há acusações de que as autoridades estão a olhar para o lado enquanto decorrem os ataques a mesquitas, danificam-se propriedades de muçulmanos e matam-se pessoas.
A onda de violência foi desencadeada pelos protestos contra a nova lei de nacionalidade, que exclui propositadamente muçulmanos de adquirirem a cidadania indiana. Esta lei enquadra-se na agenda do primeiro-ministro, Narendra Modi, de combate contra o laicismo do Estado indiano, a favor da supremacia da religião hindu. Os protestos contra a lei já duram há semanas e foram, na sua maioria, de natureza pacífica, até se iniciarem os ataques de gangues hindus, refere a Al Jazira.
Os novos ataques iniciaram-se após um político local da formação do Governo, o Partido do Povo Indiano (BJP), Kapil Mishra, ter ameaçado, no domingo, mobilizar gangues para porem um ponto final nas manifestações pacíficas. Mishra está a ser apontado como principal culpado pela violência e a líder da oposição, Sonia Ghandi, já exigiu a demissão do ministro do Interior, Amit Shah.
Além das mortes, os confrontos nas áreas com taxas elevadas de residentes muçulmanos, nos subúrbios no nordeste de Nova Deli, tornados em autênticas batalhas campais, já levam cerca de 200 feridos, de acordo com a imprensa internacional. Com receio do que possa vir a acontecer, e sendo que muitos já têm as suas casas e estabelecimentos comerciais reduzidos a cinzas, vários muçulmanos começam a abandonar os seus lares e as áreas afetadas pela violência.
Numa das muitas imagens que mostram o teor da violência sectária a decorrer em Nova Deli, descrita como a pior das últimas décadas na capital, via-se uma bandeira de cor de açafrão, associada a movimentos de extrema-direita hindus, içada no topo de uma mesquita momentos antes de esta ser incendiada. Nas outras, vêem-se pessoas desarmadas – incluindo jornalistas – a serem espancadas com paus e bastões de ferro. Segundo os médicos, a maioria das mortes foram causadas por ferimentos de bala e há testemunhas que relatam que os disparos vieram da direção onde se encontravam as autoridades.
Aqueles que se manifestam contra a lei de cidadania acusam a polícia de não atuar contra os ataques levados a cabo por extremistas hindus contra muçulmanos e, em alguns casos, de estarem mesmo envolvidos na violência. “Quando o protetor se torna o perpetrador, para onde vamos?”, questiona um internauta no Twitter, referindo-se aos incidentes.
“Não fugi imediatamente. Amontoei a minha coragem e fiquei cá. Descemos as persianas da minha loja e trancámo-la. Atearam fogo ao meu carro”, contou à BBC Bhura Khan, muçulmano que também teve a sua casa e a sua loja incendiadas. “Tentei apagar o fogo quando [certas] pessoas começaram a lançar pedras. Alguém atirou uma botija de gás cá para dentro. Fugi da entrada, olhei para o lado e vi a polícia e um gangue a atear fogo a coisas juntos”.
O correspondente da Reuters em Nova Deli, Devjyot Ghoshal, relatou pelo Twitter que a polícia estava a incentivar os gangues de supremacistas hindus a atacarem os muçulmanos com pedras. “Segue em frente e atira pedras”, disse ter ouvido um agente a gritar num dos confrontos.
Já os movimentos hindus, por outro lado, também se queixam de que os seus templos e outras propriedades foram danificadas por muçulmanos. Na terça-feira, Anil Mittal, membro sénior da Polícia de Deli, avançou que iam ser destacadas forças adicionais para o nordeste da capital. E as armas das autoridades vão ser atualizadas para espingardas semiautomáticas.
O silêncio dos últimos dias sobre os incidentes por parte do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, foi ensurdecedor. Mas nesta quarta-feira Modi quebrou-o e veio apelar à calma na capital, após uma chuva de críticas da oposição. “A paz e a harmonia são centrais para o nosso ethos”, disse pelo Twitter. Na visita de dois dias à Índia, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, desfez-se em elogios a Modi, descrevendo-o como o campeão da “liberdade religiosa”, enquanto ocorriam os motins com a aparente cooperação da Polícia nos ataques a muçulmanos.