A comunicação de crise é um tema complexo. Podem-se elencar alguns princípios e boas práticas, mas cada caso é um caso e não há fórmulas facilmente replicáveis. Crise é um conceito abrangente, que tanto pode significar mudanças na estrutura de uma organização como ameaças de saúde à escala global. A importância de um fenómeno é determinada pela forma como as pessoas percebem a informação que lhes chega, ou seja, perceção antes da razão. Emissor, conteúdo e forma da mensagem são fatores absolutamente determinantes para a reação das pessoas a uma determinada mensagem.
Em relação ao atual cenário de propagação do coronavírus encontramos à partida um grande bloqueio, a origem do vírus. Além de todas as diferenças culturais entre chineses e o resto do mundo, pelo menos o ocidental, há a questão da informação. Poucos países têm um controlo tão apertado sobre a informação que é divulgada nos meios de comunicação social, entre médicos e doentes e até nas conversas que as pessoas têm umas com as outras. Imagine-se em 2020 o Governo português, alemão ou espanhol decretar que determinadas palavras são proibidas, em qualquer contexto, incluindo conversas privadas nas redes sociais (que o estado não exclui a possibilidade de poder vasculhar).
O que seria?
A China é um dos emissores menos credíveis para divulgar um caso desta natureza. Conhecidos que são os exemplos de censura, a força do regime e a quase obsessão em passar uma imagem positiva do país, não há muita esperança de encontrar toda a verdade plasmada no discurso das autoridades chinesas. O quadro completa-se com as poucas evidências que vamos conhecendo, como a construção de hospitais em tempo recorde, isolamento de uma cidade com o mesmo número de habitantes que Portugal, zonas densamente povoadas onde não se vê vivalma. Perante estas reações, é difícil acreditar nos números de infetados e casos suspeitos que vão sendo divulgados.
São as notícias e as comunicações públicas que gerem a expectativa das pessoas em relação à evolução da doença. É fundamental garantir que as pessoas confiam nas instituições responsáveis e nos seus representantes, para que a partir das suas indicações esbocem as suas reações, mesmo quando o tema domina a ordem do dia e todos têm uma opinião. Destacam-se três aspetos importantes na gestão da comunicação de crise: verdade, objetividade e clareza.
Em primeiro lugar a verdade. Se há desconfiança sobre as comunicações chinesas, o trabalho de quem vem depois na cadeia de comunicação é estabelecer a confiança e empatia, mostrando preocupação e atenção pelo problema, através de um discurso verdadeiro. Não podemos diabolizar os chineses, mas também não faz sentido defender o seu modo de atuação no que à comunicação deste caso diz respeito. A verdade é certamente incompleta e dificilmente dirá o que as pessoas mais querem ouvir. Mesmo assim, não deixa de ser a melhor alternativa.
O segundo ponto é objetividade. Numa situação de crise, a comunicação deve focar o ponto essencial, o que é e o que podemos ou devemos fazer para lidar com ele. Tudo o que não faça parte do conteúdo central da história, não deve ser dito (pelo menos no mesmo momento).
Por fim a clareza, que neste caso é particularmente relevante. Podemos abordar este tema, e alguns líderes de opinião não se coíbem de o fazer, numa linguagem hermética, que tem tanto de rigor científico como de ininteligibilidade. Este registo serve de pouco para passar uma mensagem de forma eficaz para a maioria das pessoas que, de um momento para o outro, poderão ser obrigadas a adotar novas rotinas diárias.
Nos próximos tempos (e esperemos que para sempre, sinal que a epidemia não se desenvolveu) a dimensão desta crise é a que lhe quisermos atribuir, de acordo com a narrativa que se constrói. E há muitas formas de dizer a mesma coisa e, se o tema é a corrida às luvas e máscaras podemos dizer que já estão esgotadas em todas as farmácias ou que menos de 1% da população se precipitou a comprar, uma vez que não há qualquer recomendação oficial nesse sentido.
Por enquanto, a crise tem sido gerida, estamos todos preocupados, mas ninguém entrou em pânico. Mas entretanto, começam a surgir sinais, com os quais não estamos habituados a lidar, como a escassez de produtos no linear do supermercado ou a distância social. Mais cedo ou mais tarde, estas evidências vão começar a gerar inquietação e será necessário outro tipo de discurso, de ação concertada, com muito menos margem para atropelos e contradições. Sob pena de escalarmos um fenómeno que por todas as vias precisa de ser contido.