Em 1832, uma epidemia de cólera em Londres provocou um número estimado de 5.500 mortos numa população total de 1.778.000. Um choque que a cidade não via desde da peste de 1665. No entanto, a mesma epidemia de cólera, em Paris, provocou quatro vezes mais mortos, cerca de 20.000, numa população total de metade da londrina, cerca de 841.400. A muito maior resiliência da capital inglesa a esta epidemia, por oposição à francesa, foi fácil de entender. Décadas antes, Londres tinha empreendido um processo de reconstrução profunda da cidade, inaugurando a era dos ‘melhoramentos’ das cidades europeias.
Em 1811, o crescimento exponencial da população de Londres, derivado da industrialização, reduziu a esperança média de vida nos centros urbanos a trinta anos, onze menos do que a esperança média de vida no campo. Mesmo antes de entender os motivos científicos subjacentes a esta relação estreita entre cidade e doença, a população londrina entendia, no subconsciente coletivo, que jardins significavam saúde. Assim, a forma da cidade de oitocentos afastou-se das estreitas ruelas medievais para assentar em três eixos: um sistema de esgotos urbanos, ruas largas, e a multiplicação de espaços verdes públicos. Nesta reconstrução urbana de oitocentos, conhecimento científico, capacidade técnica e execução de vontade política andaram alinhados, sem hesitações. Hoje, comparando a resposta à epidemia da cólera de oitocentos em Londres e em Paris, conseguimos adivinhar que, em Londres, foi o precisamente o alinhamento atempado entre ciência, técnica e política que salvou dezenas de milhares de uma morte certa.
Dois séculos depois, nesta nossa nova comunidade global cada vez mais interligada, enfrentamos em comum múltiplos desafios, desde alterações climáticas, ao equilíbrio entre desenvolvimento e gestão de recursos limitados, à volatilidade dos mercados globais, à facilidade com que se movimentam populações e, agora, à evolução veloz de epidemias, regionais, até se transformarem em pandemias, globais, que não conseguimos controlar.
Que impactos terá este fenómeno na forma de pensar as cidades? Que cidades serão mais resilientes? Que alterações trará esta pandemia ao nosso modo de vida? Ficarão os impactos económicos e sociais dependentes da capacidade instalada nas empresas, escolas e universidades para trabalhar à distância?
Quando nos chegam imagens da proibição de circular em Milão, sem uma única pessoa nas ruas, sabemos que enfrentamos muitas perguntas sem respostas fáceis. A única certeza deste momento é que somos, seremos para sempre, devedores dos profissionais do sistema de saúde. Assumiram uma posição na linha da frente de uma batalha desconhecendo a verdadeira natureza do inimigo e, à medida que os números evoluem, continuam a comparecer. Um enorme bem-haja.