Os cigarros eletrónicos são, muitas vezes, vendidos aos fumadores como maneira de deixar o tabaco. Sei que até os propõe aos seus pacientes. Tem tido bons resultados?
Excelentes. A evidência científica demonstra, tal como já foi publicado no NEJM (New England Journal of Medicine), que os cigarros eletrónicos atingem uma taxa de cessação do hábito que corresponde ao dobro do que se alcança com os tratamentos convencionais. Ou seja, se com esses tratamentos médicos se consegue que 20% deixem de fumar, com o cigarro eletrónico chega-se aos 40%.
Por que razão o utilizador de cigarros eletrónicos poderá ter mais facilidade em deixar o tabaco que o utilizador de tabaco tradicional? Afinal, ambos têm nicotina, que é o fator aditivo.
Em primeiro lugar, porque o cigarro eletrónico não tem tabaco, só nicotina em base líquida. Portanto, não contém outras substâncias aditivas que estão presentes no cigarro tradicional. Em segundo lugar, podemos jogar com as doses de nicotina e ir reduzindo o seu consumo, progressivamente, até conseguir que o líquido que se compra e se consome não tenha nicotina. Assim que chegamos a 0 mg de nicotina é muito simples, depois, fazer o caminho até deixar de vapear.
Refere-se ao cigarro eletrónico como uma espécie de metadona para o tabagismo. Há mesmo pessoas que não conseguem deixar de fumar, por mais que tentem?
40% da população fumadora não consegue – ou não quer – deixar de fumar, seja com que método convencional for: pastilha elástica, patches, terapia comportamental ou medicação. O cigarro eletrónico é uma terceira via, indicada para todas aquelas pessoas que não conseguem ou não querem deixar de fumar. Conseguimos oferecer-lhes uma solução alternativa, com recurso a uma técnica que reduz os danos, já que o cigarro eletrónico (que engloba vaporizadores pessoais e dispositivos de libertação de nicotina) é 95% menos prejudicial que o cigarro convencional.
Quais as diferenças entre o tabaco tradicional e o vaping?
Há 10 grandes diferenças que considero fundamentais. A primeira, é que o cigarro eletrónico não leva tabaco. A segunda, tem a ver com o facto de podermos regular as doses de nicotina. A terceira é que, ao contrário do que acontece com o cigarro, não existe um vapeador passivo. Em quarto lugar, já se demonstrou que o vaping não é uma porta de entrada ao consumo de tabaco tradicional. A quinta diferença é que não há fumo, só vapor. Em sexto lugar, o vaping não causa cancro, devo dizer que não há 1 só caso descrito em 14 anos de uso. A sétima também está relacionada com a saúde: não causa doenças respiratórias graves. Depois, em oitavo lugar, é mais barato. A nona é que reduz o dano e a décima tem a ver com o que já falámos, é um tratamento eficaz de cessação tabágica.
Imagino que os cigarros eletrónicos mantenham riscos, por exemplo a nível oncológico.Não há nenhum caso descrito na literatura científica sobre doenças oncológicas em consequência da utilização dos cigarros eletrónicos.
Sendo uma nova tecnologia, os cigarros eletrónicos têm testes clínicos com duração suficiente para garantir isso a longo prazo?
Sim. Com 14 anos de uso, os cigarros eletrónicos já demonstraram que não são causadores de cancro nem de doenças pulmonares graves. E esta tendência deve manter-se a longo prazo, já que as substâncias detetadas nos testes de espectofotometria são tão baixas que não têm como ser prejudiciais ao ser humano.
Apesar disso, muitos médicos continuam a acautelar os pacientes quanto aos cigarros eletrónicos – chegam a afirmar que é pior que o tradicional. Porquê?
Porque não se leu, não se estudou a evidência científica atual e custa-lhes muito não seguir uma corrente marcada por anos de desinformação. Mudar de opinião requer um esforço de estudo e leitura científica. Semmelweiss precisou de 18 anos para convencer os médicos a lavar as mãos antes de atender pacientes. Creio que pouco a pouco, com boa informação e doses adequadas de ciência, cada vez mais médicos e profissionais de saúde se darão conta de que o cigarro eletrónico é um excelente método para deixar de fumar.
O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA relaciona o vaping com vários casos de danos pulmonares. O que pensa do assunto?
O próprio CDC já demonstrou que se tratou de um caso de intoxicação (envenenamento) por uso de líquidos manipulados e vendidos no mercado negro. Foram adulterados líquidos em que se introduziu marijuana e acetato de vitamina E, que são muito perigosos para o pulmão por causa da sua base oleosa, dando origem a casos de inflamação pulmonar grave tipo SIRS. Na Europa, onde os líquidos que estão à venda em lojas especializadas estão perfeitamente regulados pela normativa europeia (aprovada por cada ministério da saúde), não há registo de qualquer caso semelhante ao que ocorreu nos EUA.
Nos EUA, tem-se discutido a proibição dos sabores no vaping para não incentivar ao consumo por menores. Há o risco de consumo por menores na Europa?
Não, na verdade é uma medida nefasta. Nos Estados Unidos, a taxa de fumadores adolescentes é a mais baixa dos últimos anos.
De que maneira é que o tabaco aquecido pode mudar o combate ao tabagismo?
O tabaco aquecido já provou ser 70% menos nefasto que o tabaco tradicional. Mesmo que continue a ser tabaco, contém menos agentes cancerígenos que no seu formato tradicional. Já estamos a reduzir danos. Pode, por isso, ser útil na luta contra o tabagismo, do ponto de vista conceptual.
Como deve ser a ação legislativa e das autoridades relativamente ao cigarro eletrónico?
Desde logo, regulamentando os cigarros eletrónicos como produto diferente daquele que é abrangido pela legislação sobre tabaco. Porque a verdade é que não levam tabaco, na sua grande maioria. Para além disso, reduzindo os impostos sobre o consumo e fornecendo informação fidedigna aos utilizadores. Mas principalmente, permitindo que nós, profissionais de saúde, médicos e enfermeiros que trabalhamos diariamente no combate ao tabagismo, usemos o cigarro eletrónico como terceira via para conseguir que as pessoas deixem de fumar.