Breve reflexão sobre o estado de emergência

Entende-se e justifica-se plenamente a declaração do estado de emergência, uma forma mitigada de resposta excecional.

O pensamento político dos Romanos antigos, os da República (os Romanos não tinham democracia, nem redes sociais, nem televisão, mas não eram estúpidos), teve a noção da distância e diferença entre tempos de normalidade, de vida cívica e social de rotina, e tempos de excecionalidade. E percebeu que nem se devia manter, em condições «excecionais» – guerra externa ou guerra civil, sedição, fomes, epidemias, catástrofes naturais – o mesmo regime de política institucional da normalidade, o que significaria um suicídio coletivo.

Mas também não fazia sentido alterar ou permitir que as respostas excecionais às condições excecionais pusessem definitivamente em questão as instituições da República Romana. Estas traduziam, numa versão sofisticada para a época, um sistema de checks and balances. Deste modo as instituições republicanas – um equilíbrio entre um Senado aristocrático, cônsules executivos, tribunos da plebe com veto, mais censores, pretores, lictores – podiam, em caso de catástrofe ou risco iminente para a comunidade, ser suspensos. Mas retomavam o seu curso normal logo que passava o perigo.

Esta sábia instituição romana foi a ditadura comissarial que, para além do nome, pouco tem a ver a ver com a ditadura contemporânea (cujo equivalente antigo seria a tirania, associada a arbítrio, insegurança das leis, inexistência de Direito e de direitos).

A ditadura comissarial – ou «quase ditadura» – cujo estudo mais completo e integral continua a ser o magistral ensaio de Carl Schmitt de 1921,( La Ditadura, Revista de Ocidente, Madrid, 1968) foi o remédio que as sociedades encontraram, historicamente, para lidar com situações de exceção sem comprometer decisivamente a liberdade das instituições.

A característica desta ditadura comissarial era precisamente ser temporária – seis meses – e que o dictator, no termo, tinha que prestar contas ao Senado sobre o exercício. Ficou conhecida como ditadura antiga, sendo a ditadura moderna, a ditadura arbitral, sem regras, às vezes – como em alguns Estados da América Central, asiáticos ou africanos – sob formas familiares ou cleptocráticas. E claro, todos os regimes comunistas e o regime nazi.

As figuras modernas do estado de sítio, do estado de exceção e do estado de emergência são modalidades de suspensão total ou parcial de direitos e liberdades que os regimes constitucionais usam, por tempo determinado e obedecendo a formas de consenso institucional na sua declaração.

Na presente situação de pandemia que ameaça agora a saúde dos Portugueses – e a dos Europeus e do mundo em geral – entende-se e justifica-se plenamente a declaração do estado de emergência, uma forma mitigada de resposta excecional a uma ameaça excecional.

Só se espera que às restrições impostas às populações – em termos de limitação de direitos – corresponda a diligência dos responsáveis em encontrar os equipamentos e instrumentos necessários – como ventiladores, máscaras, luvas – para equipar os hospitais e os combatentes da primeira linha desta batalha. Tudo sob uma linha de bem comum, decidida e racional, que não se compadece com discursos negacionistas (que demoraram a perceção do risco), nem com visões apocalípticas que criam um medo paralisante.

por Jaime Nogueira Pinto
Politólogo