Todos desejamos que este período difícil passe depressa para reencontrarmos o mundo, o mundo de cada um de nós, tal como o conhecemos. Seguramente, o mundo que iremos encontrar será diferente.
Na economia, haverá marcas, mais ou menos profundas, nas famílias, nas empresas, no Estado. Ninguém passa incólume por uma crise destas dimensões. O endividamento terá aumentado, assim como os seus custos. Nem todas as empresas resistirão, haverá, consequentemente, mais desemprego: é para diminuir ao mínimo estas perdas que se devem dirigir os nossos esforços.
Não sei prever as consequências políticas. Elas dependerão do grau de sucesso na gestão da pandemia e dos seus impactos e da forma como os cidadãos o percecionarem. A Europa poderá sair mais forte e coesa (um ‘inimigo’ comum pode ser fator de união e avanço). Fala-se já na possibilidade de emissão de eurobonds para financiar de forma comum a resposta a esta crise, o que seria inimaginável há poucas semanas. Poderá, no entanto, sair mais fraca e dividida, se não for capaz de se afirmar como uma mais-valia face aos esforços desenvolvidos por cada Estado-membro.
Se não arrisco previsões sobre um futuro que está, fundamentalmente, nas mãos dos nossos líderes e nas nossas próprias mãos, posso, no entanto, retirar já algumas lições do presente que estamos a viver.
Uma dessas lições é a necessidade de as empresas ponderarem melhor o equilíbrio entre os benefícios da redução ao mínimo de stocks, num sistema de produção just in time, e as vulnerabilidades decorrentes de eventuais problemas de fornecimentos. Tanto mais, quanto esta preocupação pelo just in time conduz frequentemente à limitação do número de fornecedores, reduzindo assim a possibilidade de ajustamentos, em caso de perturbações na cadeia de abastecimento.
Até que ponto estará a preocupação pela redução de custos a tornar as cadeias de valor excessivamente rígidas?
A questão não é nova, as perturbações nas cadeias de valor globais causadas pelo terramoto de 2011, no Japão, já tinham provocado esta reflexão, aparentemente sem grandes consequências práticas.
Outra lição que poderemos retirar é a dos riscos decorrentes da grande dependência da produção industrial da Europa relativamente à China.
Isto remete-nos para a estratégia industrial, em discussão na Europa. Esta deverá ser uma estratégia capaz de assegurar o fortalecimento da sua base industrial. Uma base industrial que não poderá deixar de estar inserida em cadeias de valor globais, mas que deve evitar dependências excessivas, sobretudo em fileiras consideradas estratégicas.
Certamente, não se poderá, por decreto, condicionar as decisões das empresas no que respeita às suas estratégias de investimento ou aprovisionamento. Mas não tenho dúvidas sobre a necessidade de criar um ambiente mais atrativo para a competitividade e a inovação, libertando as empresas dos fatores que tornam excessivos os custos da atividade industrial na Europa.
A União Europeia deve desenvolver, não uma política industrial dirigista, mas uma estratégia que vise melhorar as condições para investir, inovar e crescer.
por António Saraiva
Presidente da CIP