Em momentos de crise, muitos mercados exibem oscilações diárias bastante acima da média e correlações contraintuitivas face à habitual dinâmica fundamental. São períodos em que os movimentos de liquidação forçada – por parte de instituições alavancadas – tomam por vezes prevalência sobre os racionais económicos. Os movimentos tornam-se altamente voláteis e erráticos, porém mesmo no meio desta nébula se podem deduzir mensagens importantes em movimentos que podem à partida parecer ilógicos.
O meu destaque vai para o comportamento recente dos chamados ‘ativos de refúgio’ – como são exemplos o ouro e as obrigações soberanas alemãs – que tem deixado muitos analistas e observadores baralhados. A lógica comum anteciparia que o preço destes dois instrumentos subisse devido à incerteza extrema que assolou economia, mercados e sociedade. Porém, o que temos testemunhado desde dia 9 de março é precisamente o contrário – com o intensificar da crise, o movimento tem sido de queda abrupta em solidariedade com um mercado acionista em queda livre.
A meu ver a explicação deste fenómeno reside na antecipação de um tremendo choque deflacionista nos preços da economia real, junto com as consequências da musculada resposta tomada por autoridades fiscais. No caso do ouro, estas duas dinâmicas produzem um aumento significativo das taxas de juro reais – calculadas pela diferença entre as nominais, que deduzimos das obrigações, e a taxa de inflação. O aumento da taxa de juro real aumenta o custo de oportunidade de deter um instrumento financeiro que não produz juro – tal como o ouro – logo o aumento do juro real tem provocado a desvalorização do metal. Neste caso específico, a inflação esperada caiu a pique ao mesmo tempo que a taxa de juro de obrigações ‘sem risco’ subiu, levando a um aumento da taxa real por ambos os canais.
Isto leva-nos ao segundo enigma – a razão por trás da recente queda das obrigações alemãs apesar do BCE manter as taxas de referência negativas e inclusivamente ter aumentado o seu programa de compras (cuja maior parcela é precisamente a dívida alemã). A resposta encontra-se do lado da resposta fiscal que está a ser dada por parte dos governos mundiais, e as lógicas consequências deste enorme aumento de ajudas fiscais na emissão de dívida soberana futura. A necessária ajuda fiscal à economia terá de ser financiada por mais dívida pública o que implica uma emissão massiva de novas obrigações soberanas. Com este previsível aumento da oferta de obrigações, é pois normal que no imediato o preço das mesmas caia. Obviamente, que a necessidade de realizar liquidez por parte de alguns investidores – vendendo os ativos que ainda possam estar positivos em carteira – serve para reforçar as dinâmicas descritas acima.
Estes não são de todo mercados fáceis de navegar, e ainda mais complexa fica a gestão quando os tradicionais refúgios são temporariamente negados pelo ADN específico da crise. A bola está definitivamente na mão dos governantes mundiais, tanto em termos de resposta na contenção da propagação do vírus como no necessário apoio à economia por forma a evitar outra Grande Depressão.
*Gestor de fundo de investimento macro