Nos Estados Unidos, que ultrapassaram a China em número de casos registados do novo coronavírus, o pior está para chegar. São mais de 138 mil infeções, por agora com menos de três mil mortos: mais de 132 mil outras vítimas ainda estão a ser tratadas. O epicentro é o estado de Nova Iorque, com quase sessenta mil casos e 965 mortes, levando o Presidente Donald Trump a considerar isolar a região, para fúria do governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo. “Então seríamos Wuhan”, queixou-se, referindo-se ao primeiro foco da pandemia, isolado durante dois meses pelas autoridades chinesas. Parece ser tarde demais para algo do género: já surgiram focos de covid-19 por todo o país, em Nova Orleães, Chicago e Detroit.
Em Detroit, antigo polo da indústria automóvel e um das principais vítimas da desindustrialização, há mais de 1300 casos de covid-19. Numa escala mais pequena, a situação na cidade “não é diferente do estado de Nova Iorque ou Washington, a sério”, avisou Jenny Atas, uma das responsáveis pela resposta na região. Aliás, hospitais no Michigan, o estado de Detroit, já receberam instruções para dividir um ventilador por duas pessoas, caso seja necessário, contou a médica ao Washington Post.
Em Nova Orleães, a pandemia pode ter sido trazida pelas hordas de foliões que inundam a cidade no Mardi Gras. Mais de um milhão de pessoas desfilaram nas ruas lotadas de Nova Orleães a 25 de fevereiro, disputando os colares de contas atirados das varandas do Bairro Francês – a 9 de março era registado o primeiro caso de covid-19.
“Ver casos primeiro em Nova Orleães faz todo o sentido”, disse ao USA Today Richard Oberhelman, professor da Faculdade de Saúde Pública e Medicina Tropical de Tulane. Duas semanas depois, os casos confirmados explodiram para 567, uma das maiores taxas de crescimento no país.
Já em Chicago, no estado de Illinois, morreu um bebé após dar positivo para o covid-19, a primeira morte de uma criança relacionada com o surto nos EUA. “Se não estiveram a prestar atenção, talvez este seja o vosso toque de despertar”, declarou a responsável para a Saúde do Illinois, Ngozi Ezike.
Teme-se que, só em Chicago, se chegue às 40 mil hospitalizações. “Não são 40 mil casos, são 40 mil pessoas que precisarão de cuidados intensivos em ambiente hospitalar”, avisou a presidente da câmara, Lori Lightfoot. “Esse número vai quebrar o nosso sistema de saúde”, assegurou.
Contudo, não são só as áreas urbanas a ser afetadas pela pandemia: à medida que cada vez mais pessoas saem das cidades, surgem focos de infeção no Midwest e até nas Montanhas Rochosas. No Idaho, o condado de Blaine, um popular e dispendioso destino de inverno, conhecido pelas suas estâncias de esqui, tem uma das maiores taxas de infeção fora de Nova Iorque. “Ter pessoas a morrer na nossa comunidade é muito triste”, lamentou Jacob Greenberg, presidente da comissão do condado, que tem menos de 55 mil habitantes e acolhe milhões de turistas todos os anos – Greenberg teme que o seu filho, nora, netos e alguns dos seus colegas estejam infetados, contou ao USA Today.
“Acreditamos que a maneira como a gripe sazonal se espalha pelo país é provavelmente semelhante à covid-19. As erupções rurais tendem a ser mais tardias e mais curtas, mas com maior impacto que nas áreas urbanas”, explicou à Vox Roger Ray, consultor médico do Chartis Group – as regiões rurais têm geralmente populações mais idosas e menos recursos.
Solidariedade europeia? Prevê-se que os EUA sejam o próximo epicentro da pandemia mas, entretanto, esta deixa um rasto de destruição na Europa. Espanha, aqui ao lado, tem quase 80 mil infeções e registadas e mais de seis mil mortos, aproximando-se a passos rápidos do desastre italiano, cujo saldo vai em quase 100 mil infeções e mais de 10 mil mortes registadas.
Se, a nível económico, a solidariedade europeia com os países mais afetados não tem sido muito expressiva (ver pág. 8), também não o tem sido na ajuda médica contra o coronavírus. Está em curso uma corrida aos equipamentos médicos, mas muitos países europeus menos afetados hesitam em ceder as suas reservas, temendo precisar delas mais adiante. Cada vez mais países europeus se viram para a China, que já conteve o seu surto e se desdobra em apoio a outros países.
Entretanto, os sistemas de saúde italiano e espanhol estão sobrecarregados ao ponto da rutura e a saúde francesa segue na mesma direção. França já começou a evacuar doentes com covid-19 de Paris, Nancy e Mulhouse, no leste do país, para o oeste, menos atingido pela pandemia.
“Foi um teste à capacidade de coordenação da UE e uma oportunidade perdida para solidariedade intraeuropeia”, lamentou à Forbes Marga Gual Soler, ex-conselheira do antigo comissário europeu para a Ciência, o português Carlos Moedas. Ainda assim, há alguns, poucos, sinais positivos: hospitais alemães começaram a tratar pacientes vindos de Itália, esta semana, e foi aprovado um fundo de quase 900 milhões de euros para países-membros mais atingidos.