As placas e hangares já não chegam para guardar todos os aviões em terra, que deixaram de cruzar os céus e lotam, agora, o alcatrão silencioso das pistas dos aeroportos europeus.
A pandemia da covid-19 tomou refém o Velho Continente e com as populações bloqueadas surgiram os primeiros cancelamentos. A procura esvaneceu-se. E, finalmente, as fronteiras foram encerradas, uma decisão adiada ao limite, que chegou pelo Twitter no dia 16: «Acabo de informar os nossos parceiros do G7 que propus aos nossos chefes de Estado e de Governo que introduzam restrições temporárias nas viagens não essenciais para a União Europeia por um período de 30 dias», informou Ursula von der Leyen. O prazo pode ser prolongado «se for necessário».
O setor da aviação sobrevive, estrangulado, contando cada dia como mais um passo rumo ao abismo. E este poderá mesmo ser o capítulo final para algumas companhias. «Para as low-cost, sim», afirma Tiago Cardoso, da Infinox: «Vejo a coisa muito mal parada para as companhias aéreas low-cost europeias», como a Ryanair ou a Easyjet. «Estas companhias são, sem dúvida, as que vão enfrentar mais dificuldades para ultrapassar esta crise e para sobreviverem terão necessariamente de ter mais ajudas dos Governos».
A explicação é simples. «As companhias low-cost têm margens de lucro mais curtas, devido aos preços reduzidos das suas viagens. Para conseguirem obter resultados idênticos à concorrência têm de vender muito mais. Vivem apenas do voo. E cada dia que passa, representa um prejuízo maior, tornando mais difícil a recuperação», esclarece o analista.
Da mesma opinião é André Pires. O analista da corretora XTB admite «que algumas empresas não sobrevivam» à suspensão da atividade, embora esteja convencido que tudo dependerá «da duração deste período de bloqueio e estagnação». «A propagação exponencial do novo coronavírus na Europa não permite ser muito otimista quanto à situação», diz, acrescentando que «muitas companhias aéreas de todo o mundo enfrentam a ameaça de falência nos próximos meses, caso a tendência atual se venha a manter».
Numa estimativa rápida, a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA, na sigla em inglês) já estimou as perdas num valor superior a 70 mil milhões de euros nas receitas com passageiros das companhias aéreas europeias em 2020. E uma quebra de 46% de viajantes. As contas estão feitas, mas ainda por fechar, uma vez que a IATA aponta que a crise dure dois meses, regressando tudo à normalidade em meados de maio. «Estimamos uma perda nas receitas com passageiros de 76 mil milhões de dólares [pouco mais de 70 mil milhões de euros] este ano para as companhias aéreas na Europa», declarou o dirigente da IATARafael Schvartzman. O responsável falou de «uma crise sem precedentes» no setor aeronáutico, e alertou que existem transportadoras apenas com «dinheiro disponível para uma suspensão [das operações] por dois meses», enquanto outras «poderão nem ter isso disponível».
Apesar de fatal para alguns negócios – e ser previsível a extinção em massa de postos de trabalho – ninguém crê verdadeiramente no fim da ‘era do low-cost’, mas apenas uma alteração de tal como o conhecemos. Quando a tempestade passar, os preços das viagens de avião deverão manter-se. O mundo continuará a girar, mas, neste caso, reservado apenas para alguns. «Este é um mercado maduro e outras empresas poderão suprimir as necessidades sem um impacto visível no custo das viagens low-cost», garante André Pires. O analista da XTB considera que «o mercado das low-cost tem forçado todo o setor a reinventar-se, de forma a otimizar os processos e a responder a uma procura crescente, tornando os preços acessíveis a todos». «E este modelo, na sua essência, continuará a funcionar quando a ‘nuvem’ passar e podermos voar novamente», assegura.
Tiago Cardoso, da Infinox, tem até a convicção que a crise «vai ‘limpar’ o setor da aviação» e que «apenas vão sobreviver as companhias aéreas com mais cash balance [saldo de caixa], que acautelaram minimamente uma situação de crise destas dimensões». «O tráfego que as low cost, como a Ryanair ou a Easyjet, detinham vai dispersar-se por outras companhias aéreas, uma vez que o mercado vai tornar-se ainda mais competitivo», explica. Tiago Cardoso prevê que quando tudo regressar à normal idade as principais companhias europeias tornar-se-ão mais agressivas, «lançando muitas promoções e conquistando o share do mercado referente às viagens baratas» – que até aqui pertencia a empresas como a Ryanair e Easyjet, entre outras. «Essa estratégia vai fazer com que as atuais low-cost percam a sua principal vantagem competitiva: os preços mais baixos. Para mais, para companhias aéreas que oferecem ao passageiro um nível geral de qualidade muito superior», conclui.
Para mitigar os danos, os agentes do setor têm insistido em ajudas diretas dos estados nas companhias, para além da flexibilização das regras de aviação comunitárias. A fase conturbada não impediu um primeiro ‘braço de ferro’ entre IATA e Associação de Defensores dos Direitos dos Passageiros (APRA, na sigla em inglês). A associação que representa as companhias quer reembolsar os passageiros através de vouchers com o valor pago pelos clientes com voos cancelados. A associação descreve uma tentativa das companhias enfraquecerem «os direitos dos passageiros». Ambas dizem que os seus representados precisam de dinheiro.