Não se fala de outra coisa. As notícias não param de nos mostrar a triste realidade em que nos encontramos, num cenário desolador em toada crescente, que ninguém sabe onde vai parar. Vivemos entre o alarmismo desnecessário (e até prejudicial) que alguns nos provocam e a negligência patética de outros, que teimam em ignorar esta pandemia devastadora. Para mim, é um sinal claro, um aviso para este mundo – que começa agora a perceber que não pode continuar a girar ‘ao sabor da fantasia’.
Este vírus, tão demolidor, ataca toda a gente, não poupa poderosos nem humildes, não escolhe idades nem sexo ou profissão, e ninguém está livre de infetar outros ou de poder ser infetado.
Para trás vão ficando guerras, conflitos entre povos, ambições desmedidas pelo poder e pelo dinheiro, de nada valendo os nossos planos, pois ninguém sabe como será o dia de amanhã. ‘De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se acaba por perder a sua própria vida?’.
As informações que nos chegam vindas de toda a parte vão lançando o pânico no coração dos homens – pânico que, por vezes, é mais forte do que a nossa capacidade de agir. Já não agimos, reagimos sempre à espera de poder chegar a nossa vez – ou, pelo contrário, conseguirmos escapar ilesos a este terrível pesadelo de que não há memória. Uma das notícias mais recentes dava conhecimento de que em Portugal 20% dos atingidos eram médicos – e logo a Ordem veio denunciar a falta de equipamentos adequados em número suficiente para uma classe que está na frente da batalha desta guerra invisível.
Em minha opinião, não direi apenas falta de equipamentos. Também se notam falhas na planificação de operações para fazer face a uma catástrofe. Que veio sob esta forma, mas poderia vir sob outra forma qualquer. É o resultado (previsível) de darmos sistematicamente mais atenção a outro tipo de questões e de nos preocuparmos em demasia com aquilo que não deve ser prioritário – trabalhando em função de números, estatísticas e indicadores, situação para que venho alertando há muito.
Mesmo assim, nunca é demais enaltecer as inúmeras provas de solidariedade, de apoio e de carinho que este povo tem dado nestas horas difíceis. Veja-se o que se passou com o apelo do bastonário da Ordem dos Médicos aos colegas reformados, cuja resposta não podia ser mais positiva.
A ajuda de tantas instituições que, desde logo, se colocaram à disposição; a colaboração de entidades privadas; o apoio de tantos organismos, perante a compreensão de uma população que, mesmo desgastada pelas dificuldades que a vida lhe impôs, foi aceitando pacificamente as novas realidades. Na minha unidade de saúde estatal assisti com orgulho e emoção ao empenhamento, à boa vontade e dedicação sem limites de todos os estratos profissionais que, remando todos para o mesmo lado, foram conseguindo equilibrar o barco neste tenebroso mar de águas turbulentas.
Declarada a guerra, só temos de enfrentar o problema e arranjar soluções para o combater. Acima de tudo, penso nas vidas humanas (já com algumas baixas) que é preciso defender, não olhando, para já, à vertente económica, de consequências imprevisíveis, que mais tarde ou mais cedo nos irá tocar a todos.
Perante a gravidade do momento que atravessamos, só posso pedir a todos os utentes que oiçam apenas a voz do médico assistente. A hora é de união e de trabalho em equipa, respeitando sempre as orientações definidas superiormente. Se nos mantivermos unidos, havemos de chegar ao nosso destino, ainda que as trevas do presente não permitam ver o Sol que um dia voltará a brilhar nas nossas vidas. ‘Após a tempestade, vem a bonança’.
Meditemos no significado deste sinal e tiremos as nossas conclusões. A mensagem que recebi de uma leitora vem mesmo ao encontro da minha reflexão: «Que este vírus, que tantos danos está a causar a todos os níveis, sirva ao menos para deixarmos de nos virar para nós e olharmos mais para os outros, neste mundo egocêntrico».
Não podia concluir sem uma mensagem de esperança. Partilho com os leitores as palavras que, neste momento crucial, nos devem levar a olhar para a vida de maneira diferente e numa outra dimensão: «Vamos pensar que agora é apenas uma memória, mas que a normalidade nos vai parecer um presente inesperado e lindo. Vamos amar tudo o que, até agora, nos pareceu inútil. Força. Coragem. Vemo-nos em breve!». (Papa Francisco)