Em tempos de isolamento, um grupo de artistas e pedagogos, que trabalhava com quase 150 idosos da Amadora, decidiu manter o projeto à distância e contar-lhes pequenas peças de teatro ou de poesia ao telefone.
Rita Wengorovius, coordenadora do projeto Teatro de Identidades e docente na Escola Superior de Teatro e Cinema, explicou à Lusa que as pequenas peças podem ser contadas, declamadas, com poesia ou com música, e surgem num processo de cocriação entre os artistas e os próprios seniores, a partir das suas histórias de vida, memórias e experiências.
A partir destes ensaios, os artistas, mestrandos de Teatro e Comunidade, vão construir uma "dramaturgia coletiva de todas estas pessoas, como se fosse um diário artístico muito grande", para estrear em outubro, ao vivo, espera-se que já sem a sombra da covid-19.
"A ideia é tirá-los um bocadinho deste quotidiano, de estarem sós, a pensar no vírus e nas notícias", disse Rita Wengorovius, salientando que "o propósito do projeto é também trabalhar a ideia do simbólico, do abstrato", já que "está comprovado que [as artes] ajudam muito na prevenção das demências".
À hora marcada, para manter rotinas, Rita, mais seis artistas e alguns seniores ligam para outros idosos, como se fosse um 'call center' de pequeninas histórias e poemas. Como num jogo de pingue-pongue, no dia seguinte cabe aos idosos ligar de volta, para também eles contarem boas notícias dos tempos de confinamento, pequenos textos que tenham em casa, crónicas, contos ou até às vezes receitas, canções e lengalengas perdidas no tempo, numa relação de troca.
"Temos várias histórias que nos têm contado, de resistência. Por exemplo, como é que continuam a caminhar dentro de casa e como é que eles continuam a encontrar estratégias" para ultrapassar a solidão, disse Rita Wengorovius, salientando que para estas estratégias contribui "a memória de uma vivência" que já existia entre artistas e idosos, assim como alguns textos recentes do projeto, como um trabalho à volta do Ensaio sobre a Cegueira de Saramago que descreve uma pandemia.
O Teatro de Identidades é uma parceria entre a Ação Social da Câmara Municipal da Amadora (distrito de Lisboa), a Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC) e a Associação dos Amigos da Escola Superior de Teatro e Cinema.
Os utentes, com idades entre os 50 e os 95 anos, muitos dos quais com enfermidades decorrentes da idade, como alzheimer e demência, foram sinalizados em centros de dia da Mina, Quinta de São Miguel, São Brás, Buraca e Damaia, mas há também um grupo livre, que funciona diretamente na ESTC.