Ninguém estava preparado para esta calamidade. Ninguém a podia prever e, mesmo que isso fosse possível, nenhum país disporia de meios para, isoladamente, se preparar para a brutalidade do embate. Sabe-se como a pandemia começou, mas não se sabe como nem quando vai acabar. Ninguém pode antever como estará o mundo, as sociedades, as economias e as famílias quando a tempestade amainar. Podemos acreditar na capacidade redentora da pandemia, mas poucos ousam sonhar que vamos acordar na bonança. Ninguém sabe como vai ser o nosso modo de vida no futuro, mas é fácil prever que há um antes e um depois da covid-19. Marco histórico e de referência para o futuro.
Todos sabíamos que o nosso estilo de vida era insustentável. Crescimento baseado na economia de carbono, esgotamento dos recursos naturais, consumismo e desperdício, sobreaquecimento do planeta, alterações climáticas e catástrofes naturais cada vez mais frequentes e devastadoras. Apesar dos alertas do Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, para a emergência climática, apesar dos avisos de académicos e cientistas e das boas intenções de alguns líderes mundiais, os resultados das sucessivas cimeiras sobre alterações climáticas ficaram aquém do expectável e muito longe do necessário. Donald Trump, descrente da evidência científica, rasgou o Acordo de Paris, com a mesma ignorância arrogante com que deitou para o lixo o Obamacare e negou o perigo do coronavírus. Irmanado com Trump na irresponsabilidade, o boçal Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, crente da IURD e apoiado pelo bispo-mor dessa seita, permitiu a destruição da floresta amazónica e quis reduzir a pandemia a uma ‘gripezinha’.
Não obstante o discurso de revolta da jovem Greta Thunberg, a mobilização juvenil pela ‘greve climática’, as manifestações e slogans em defesa do ambiente, os comportamentos não mudaram, o consumismo e o desperdício aumentaram, os automóveis privados continuaram a poluir e a congestionar o tráfego das principais cidades do mundo, milhões de aviões continuaram a cruzar diariamente os céus, os cruzeiros ganharam adeptos, e salve-se quem puder porque the show must go on.
Não se muda de paradigma de um momento para o outro. Duvido que o mortífero vírus já nos tenha feito perceber que fazíamos o que não devíamos, comprávamos o que não precisávamos, gastávamos o que não tínhamos, corríamos atrás do lucro fácil e da fama, ficávamos ofuscados pelo pechisbeque e pelas luzes da ribalta e desvalorizávamos o mais importante de que agora sentimos falta: a família, os amigos e os abraços.
Passado o pesadelo, vamos mudar hábitos e condutas? Já estive mais confiante. Vejo crescerem os egoísmos e populismos, acentuarem-se as desigualdades e medrar o medo. O medo que nos bloqueia, isola e angustia. O mesmo medo que dita a uns a palavra de conforto e o gesto solidário leva outros à crítica insana, a manifestações de intolerância e xenofobia, à violência verbal despejada nas redes sociais.
«Ninguém se salva sozinho», afirmou o Papa Francisco, na Praça de São Pedro, orando pelo fim da pandemia e pela Humanidade. As imagens de Francisco, atravessando a praça vazia, à chuva, naquela tarde de sexta feira, emocionaram o mundo. Ressoam as suas palavras magoadas e inspiradoras. Espero que o eco da bela metáfora de estarmos todos no mesmo barco, apanhados por uma ‘tempestade inesperada e furibunda’, chegue aos líderes europeus e que estes percebam que não podem voltar a falhar. Nunca como agora, se justificou uma atuação conjunta e solidária, na certeza de que ‘ninguém se salva sozinho’.
Deputada do PS