Quando os pais vêm em teletrabalho para casa, onde os filhos os esperam porque as escolas estão fechadas, não é razoável pensar que vão ter a mesma produtividade que aqueles que não têm filhos ou têm filhos já independentes.
Não é por acaso que as escolas, além de um professor ou educador, têm também, pelo menos, auxiliares, cozinheiros e pessoal da limpeza.
Os pais são só um ou dois e têm de concentrar em si as tarefas de todos estes profissionais, além das do emprego propriamente dito. Por exemplo, para cuidar de uma casa há limpezas e arrumações para fazer, refeições diárias para preparar, idas ao supermercado, roupas para tratar, já para não contar com o tempo gasto em desinfeção sempre que se vai à rua. Em relação às crianças, dependendo da idade, podemos ter de lhes dar as refeições, banhos, vestir, trocar fraldas, ajudar no estudo, deitar, brincar e dar atenção. Os conflitos entre irmãos poderão também ser um problema, tal como a desarrumação, o barulho e os disparates normais destas idades. Nos casos em que ambos os pais estão em teletrabalho como é possível ainda arranjarem tempo para dedicar ao serviço? Dependendo das prioridades, das três uma: ou o trabalho fica para trás, ou as crianças ficam em autogestão, ou ambas as coisas são feitas a meio gás. Seja qual for a hipótese, uma coisa é certa: seja em relação ao trabalho, seja em relação aos mais pequenos, a ansiedade e culpabilidade vão aumentando.
Se por um lado o país não pode parar, por outro não é razoável pensar que podemos simplesmente mandar as crianças para casa e esperar que os pais trabalhem como se elas não estivessem lá. Só quem tem filhos pequenos sabe como eles precisam de nós e como é impossível focarmo-nos com eles por perto. Como pode ser desesperante ouvir o choro ou os gritos de contentamento de uma criança quando temos um trabalho para entregar. Como as constantes solicitações se podem tornar exasperantes. O barulho das coisas a cair, a televisão ligada, os brinquedos barulhentos, a bola a bater. E dado o stresse dos prazos a cumprir muitas vezes são as crianças que não têm culpa nenhuma que pagam as favas. Seja porque os pais impacientes se zangam com elas, seja porque negligenciam inadvertidamente os seus cuidados. As desgraçadas só querem atenção – com razão – e não têm maturidade para perceber que os pais não conseguem trabalhar e brincar com elas ao mesmo tempo. No final do dia, apesar de saudáveis fisicamente, todos experimentam uma certa desilusão: os pais um sentimento de incapacidade para atender às necessidades da casa, da família e do trabalho; as crianças sentem que não são tão olhadas e acarinhadas como desejariam e que fizeram demasiados disparates, pois foram constantemente chamadas à atenção.
Esta é uma altura de uma enorme exigência: não podemos adoecer, o trabalho não pode parar e os nossos filhos precisam muito de nós. Mas é também uma fase de exceção e é preciso compreensão e benevolência: dos patrões para com os empregados e dos pais para com os filhos. Já lá vão quinze dias e não sabemos quantos mais virão. Não é só a curva de infeção e letalidade que temos de controlar, é também a de ansiedade e tranquilidade de cada casa, de cada família. Para que não acabemos esta quarentena a sentirmo-nos péssimos pais e eles a sentirem-se péssimos filhos.