Tentando evitar a futurologia, ‘ciência’ sempre muito arriscada, uma das maiores mudanças será certamente o conceito de tempo, ou a noção que temos dele. A escassez de tempo, fruto de excessivas solicitações – e também de muita má gestão – é justificação comum para deixarmos de estar com quem mais gostamos e precisa de nós. Agora trabalhamos, estudamos, estamos absorvidos em maratonas de Netflix ou a montar puzzles com milhares de peças, mas raramente estamos sozinhos. Descobrimos que é possível conciliar uma série de atividades profissionais e de lazer com a família e em casa. Excelentes notícias para a Netflix, mas ainda melhores para as crianças que têm os pais sempre por perto e para os pais que podem acompanhar mais as crianças. E assim protegemos os nossos.
Um contexto adverso de ameaça generalizada é um desafio de superação. Temos vindo a assistir, principalmente nos mais novos, à desvalorização de bens materiais em prol de uma maior consciência social, particularmente na área do ambiente e sustentabilidade. Tornou-se necessário, mas ao mesmo tempo natural, uma atuação solidária, fraterna, de todos para com todos, à qual a maioria tem respondido de forma exemplar. Novos valores ou um regresso às origens? Ninguém sabe e pouco interessa, desde que pautemos dessa forma a nossa atuação. E assim protegemos todos.
Numa vertente mais prática, é imperativo destacar o papel e confiança nas instituições. Se nos temos distanciado dos governantes e instituições que gerem o país, a pandemia torna essa proximidade inevitável. Bastaram os primeiros sinais de alerta para percebermos que o Sistema Nacional de Saúde é o elemento central para debelar esta crise, do ponto de vista clínico; o Governo a determinar as linhas mestras da reação e a desenhar a estratégia de combate ao que aí vem. Apesar das diferenças de opinião sobre as formas de reação à pandemia, perfeitamente legítimas num estado como o nosso, esta crise permite perceber a importância das instituições e o seu papel decisivo na vida de todos nós, além de uma profunda reavaliação do valor das profissões. Mesmo não concordando ou confiando, serão as instituições das quais nos distanciámos que estão a tratar de todos nós.
A aceleração da transformação digital é uma evidência, e à data talvez o único acontecimento positivo desta pandemia. Mais do que um desafio tecnológico, as barreiras à transformação digital há muito que são humanas. Quando nos apercebemos que os programas de televisão podem ser feitos à distância; o teletrabalho é possível, porventura mais produtivo e certamente mais económico; o comércio online é uma opção além de confortável bastante inteligente (apesar das atuais estruturas não terem, compreensivelmente, capacidade para responder ao crescimento de solicitações); que até os avós são capazes de fazer videochamadas com os netos, percebemos que não faz sentido fazer o que fazíamos como sempre fizemos.
Deste momento é altamente expectável que surja um novo tipo de consumidor, talvez mesmo uma geração caracterizada por novos valores, interesses e comportamentos. Se hoje já faz pouco sentido definir uma população com base nos grupos etários ou até mesmo classes sociais, daqui em diante serão as características psicográficas as únicas realmente importantes para nos conhecermos, que mais nos aproximam ou afastam – e se calhar percebermos que no essencial, o mais importante, não somos assim tão diferentes. Porque estes são tempos em que a idade não faz assim tanta diferença, em que tomamos consciência que dinheiro ou educação não garantem imunidade.
Para as marcas este contexto e sobretudo o próximo, pós pandemia, pós crise económica (e acreditemos que não teremos outro tipo de crises) são os desafios evidentes. Entender as novas atitudes do consumidor, estabelecer relações ancoradas noutro tipo de valores e desenhar uma oferta condizente é um desafio tremendo. Mas também um momento único para demonstrarem a sua relevância, para que as percebam e reconheçam pelo contributo que diariamente dão para garantir a nossa qualidade de vida. Deste tumulto umas sairão mais fortes, enquanto outras vão desaparecer.
A pandemia vai passar, a crise económica também. Nós também vamos cá estar mas não como antigamente, isto é, como fomos até ao final do ano passado.