Há uma semana que as autópsias são dispensadas sempre que um cadáver acuse positivo no teste post mortem de despiste de covid-19. Os procuradores do Ministério Público já manifestaram o receio de virem a ser responsabilizados no futuro pelas famílias das vítimas pela dispensa de tal procedimento e, para se salvaguardarem, pedem uma flexibilização temporária do regime legal relativo às autópsias. Ao SOL, o gabinete de Francisca Van Dunem explicou que fazer uma autópsia nesses casos comporta riscos e que tem havido uma grande articulação entre os magistrados do MP e os médicos do Instituto Nacional de Medicina Legal.
«Relativamente aos cadáveres em que seja ordenada a autópsia médico-legal, e no caso de não ter sido feito previamente, deverá ser realizado o teste ao SARS-Cov-2, exceto quando se conclua com elevada segurança que não sofria de COVID-19», começa por dizer o Ministério da Justiça, lembrando que «a colheita é feita pelo médico ou pelo técnico de autópsias em cada serviço médico-legal do país». Depois disso, a zaragatoa é enviada para «o laboratório mais próximo que esteja disponível para a realização dos testes».
Depois de conhecido o resultado, é tomada uma decisão. E «em cadáveres com informação de infetados não estão a ser realizadas autópsias médico-legais», confirma a mesma fonte.
Delegações do INML têm apenas as zaragatoas
Segundo informou o ministério tutelado por Francisca Van Dunem, nas várias delegações do Instituto Nacional de Medicina Legal, «existem zaragatoas, sendo também fornecidas pelos laboratórios onde são realizados os testes».
Na resposta enviada ao SOL, a tutela também clarifica que a decisão de suspender as autópsias em determinadas situações está fundamentada. «Além do anteriormente referido, as orientações da Direção-Geral da Saúde estabelecem que, no caso de infeção suspeita ou confirmada por SARS-CoV-2, as autópsias médico-legais devem ser dispensadas», refere.
Quanto à posição já assumida pelos procuradores do MP, sobre a possibilidade de mais tarde poderem ter de responder pela dispensa das autópsias nos casos em que o teste deu positivo, o gabinete de Francisca Van Dunem assegura que «tem havido uma articulação muito próxima entre os senhores procuradores e os médicos do INMLCF com vista à obtenção do máximo de informação possível antes da tomada de decisão quanto à realização da autópsia médico-legal por parte do Ministério Público».
Esclarece ainda os riscos de se fazerem autópsias a cadáveres que tenham o novo coronavírus: «Tratando-se de uma morte natural por covid-19, não deverá ser feita a autópsia médico-legal, pois para além do facto de ser conhecida a causa de morte, a sua realização representa um risco para a saúde pública evitável».
Além disso, salienta, «a autópsia médico-legal constitui um meio de prova, entre outros, onde se incluem a análise de registos clínicos, o resultado de exames complementares feitos em vida, os pareceres de especialistas, etc.»
Apesar de questionado, o ministério não esclareceu, porém, em concreto de que forma será garantido que a investigação criminal não será prejudicada com a não realização de autópsias a pessoas que tenham o novo coronavírus, uma vez que no limite e contrariamente ao que possa parecer sem uma análise mais aprofundada essa poderá não ser a causa de morte.
As preocupações dos magistrados do MP
O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público enviou no início do mês uma carta à ministra da Justiça, na qual manifestavam que consideravam importante a flexibilização temporária do regime legal relativo às autópsias.
«A nossa preocupação em combater o coronavírus vai para além do que se passa nos nossos locais de trabalho», referia o sindicato, adiantando que «conter a epidemia é uma tarefa de toda a comunidade».
«Para o efeito, pretendemos continuar a propor medidas em áreas que reputamos essenciais. No que diz respeito à realização de autópsias entendemos que o regime legal deverá ser flexibilizado enquanto durar a pandemia, de modo a melhor adequar-se às recomendações médicas», concluía o sindicato na carta.