No dia 16 de março não foram assegurados os serviços mínimos dos estivadores do Porto de Lisboa, prejudicando o carregamento do navio o Corvo com destino ao abastecimento da região autónoma dos Açores. Quando, por todo o lado, encontramos esforço e solidariedade perante a pandemia, o Porto de Lisboa, nevrálgico para garantir o abastecimento e reposição de stocks de supermercados e farmácias das regiões autónomas, falhou.
Na sequência deste evento, foram ouvidos pelas comissões do Trabalho e da Economia da Assembleia da República: o Sindicato dos Estivadores e da Atividade Logística (SEAL), a Yilport em representação da Associação-Empresa de Trabalho Portuário de Lisboa (A-ETPL), e Administração do Porto de Lisboa (APL).
A audição foi motivada pela insolvência da A-ELTP decretada pelo Tribunal Judicial de Lisboa, precisamente a 16 de Março, e ficou marcada por acusações graves de parte a parte. A A-ETPL denunciou ameaças físicas sobre estivadores que tentou contratar e evidenciou a impossibilidade de gerir uma empresa com uma taxa de absentismo de 34% e com um sindicato que, em 10 anos, apresentou, em média, um pré-aviso de greve por mês. O SEAL acusou a A-ETPL de provocar intencionalmente a falência da empresa para empurrar os estivadores para situações de precariedade laboral.
No meio das hostilidades, deduziu-se que a falha de 16 de março resultou do próprio processo de insolvência. Segundo a A-ELTP, os 134 estivadores ficaram, desde então, sem contratos nem seguros válidos e, por isso, impossibilitados de trabalhar. Assim, neste momento crítico para o país em termos de abastecimento e reposição de stocks, o Porto de Lisboa ficou reduzido a 80 estivadores de outras empresas. A APL alertou que uma parte destes 134 estivadores fazem falta, sendo, por isso, necessário procurar soluções com cedências de parte a parte. Sublinhou ainda a necessidade de ‘paz social’ para assegurar o bom funcionamento da atividade portuária.
Hoje, cerca de 80% do comércio mundial em volume e mais de 70% do comércio mundial em valor circula em navios. Um país com mais mar do que terra tem de assegurar uma posição relevante neste setor. As rotas internacionais que procuram portos de carga têm muitas alternativas ao Porto de Lisboa. Em 2018, segundo a presidente da APL, Lisboa perdeu uma rota significativa que passou a fazer escala em Vigo porque os estivadores, em greve às horas extraordinárias, não trabalhavam ao sábado.
A A-ETPL garantiu que esteve sempre disponível para se sentar à mesa das negociações a não ser no dia em que foi, literalmente, recebida «com petardos» . O SEAL pediu a intervenção do Governo para desmascarar o que considera ser uma insolvência «fraudulenta». Entretanto, a queda de atividade do Porto de Lisboa continua, em movimento oposto ao crescimento dos restantes portos do país, confirmando o lamento da A-ETPL «os navios já desistiram há muito do Porto de Lisboa».
Diz-se que Lisboa é um nome com origens fenícias indicando a descoberta de um ‘porto seguro’, ideal para fundar uma cidade. Hoje, no Porto de Lisboa, a instabilidade social arrasta-se, arrastando consigo a atividade que justificou, para os fenícios, a fundação da cidade. Se nem uma pandemia consegue acalmar as hostilidades, que futuro tem o porto da nossa cidade?