Em poucas semanas, as rodagens através do mundo pararam! Estamos fechados em casa, mas as séries e filmes continuam a passar na televisão e nas plataformas. São histórias que já foram produzidas. Mas quanto tempo vão durar as reservas da HBO, Amazon, Netflix, SIC, TVI e RTP? Lançar a rodagem de um filme ou de uma série implica dezenas, ou mesmo centenas, de pessoas a trabalhar num mesmo espaço – algo que parece impossível de antever nestes dias, mesmo surgindo notícias de que, na China, as rodagens terão retomado. Também os cinemas reabriram, mas logo depois encerraram, com receio de uma segunda vaga de infeção. O medo paralisa, e com a falta de concretização do fim das medidas de confinamento questionamo-nos como vai ser. E percebemos que isto vai voltar a acontecer. Quando as salas fecharam, o cinema perdeu a sua catedral, mas em breve vai chegar à TV e às plataformas. E os conteúdos vão escassear!
Todo o processo de produção e distribuição poderá ser posto em causa. As equipas terão de ser mais pequenas, quase modulares, com um grau de autonomia acrescido em preparação, surgirão sistemas de entreajuda mais fortes dentro de cada departamento como única forma de gestão à distância, e o tempo de interação em presença será encurtado ao mínimo, tal como em muitos outros setores. Impossível neste cenário não pensar nos efeitos em Portugal a médio prazo, que é o maior produtor de horas de ficção na UE, fazendo as novelas parte desse número. O setor do cinema e audiovisual europeu é um mercado em grande crescimento, mas é, acima de tudo, um dos principais pilares da diversidade cultural europeia. E séries como The Crown, Babylon Berlin e A Espia são o resultado de produtoras que, na sua grande maioria, são pequenas e médias empresas que contratam um séquito de freelancers de áreas criativas e técnicas. Cada elemento é, assim, uma peça preciosa: ninguém faz um trabalho realmente idêntico ao seu par num grau de especificidade imprescindível. Como seria Casablanca sem Humphrey Bogart ou A Guerra das Estrelas sem Lucas? Impensável! Numa espécie de efeito de dominó, todos estes elementos em regime de freelancer encontraram-se agora sem trabalho e, grande parte deles, sem qualquer rede de segurança social, e os fornecedores de materiais técnicos, os estúdios, os agentes, as salas, somam milhões de pessoas que trabalham num setor que simplesmente parou.
É inútil pensar quantos de nós vamos aguentar esta paragem forçada. Só podemos apertar o cinto e investir na base: os guiões. Triplicar o investimento em novos projetos, adjudicar bolsas de curta duração para argumentistas, utilizar mais ferramentas digitais para acelerar o processo de incubação em desenvolvimento, simplificar o processo de decisão de financiamento, diversificar o conteúdo na génese para que possa ser difundido em multiplataformas, apostar de forma agressiva no processo de criação para que a máquina se reinvente. Rapidamente, para que o mundo continue a sonhar!
Pandora da Cunha Telles
Produtora de cinema e televisão – Ukbar Filmes