O mundo está de pernas para o ar. De repente, tudo o que tínhamos por garantido desapareceu. Tudo o que pensávamos que era a nossa vida está em suspenso. Parece um filme de ficção científica, que, infelizmente, de ficção não tem nada, de científico tem muito. O ‘sistema terrestre’ é holístico, as partes influenciam o todo, como no corpo humano. Na nossa ignorância, temos interferido de tal forma na natureza que somos agora atacados por ela. E, sim, já tínhamos sido alertados pela comunidade científica que isto poderia acontecer. A destruição de habitats, a perda de biodiversidade, o tráfico de espécies, a intensificação agrícola e pecuária, e a mudança do clima aumentam o risco de surgirem doenças infecciosas transmissíveis ao ser humano. Os parasitas, as bactérias e os vírus, ao perderem os seus hospedeiros habituais procuram novos em animais selvagens, consumidos em algumas sociedades. Foi assim que surgiram doenças como a sida, o ébola, o zika e agora a covid-19. Que fizemos, apesar dos alertas dos cientistas, para evitar este cenário? Nada. Continuamos a ocupar ecossistemas intocados e a explorar sofregamente recursos naturais finitos.
Os lockdowns das últimas semanas provocados pelo novo coronavírus significaram, no imediato, reduções superiores a 15% dos níveis de produção dos maiores países do mundo, o que, associado à limitação do espaço aéreo, se traduziu em significativas reduções de emissões de gases com efeito de estufa em todo o mundo e em Portugal.
Estes números não são vitórias para o ambiente. Mostram-nos, sim, o quão voraz é o nosso modelo económico extrativista e produtivista, bem como a dimensão das mudanças que temos de empreender se quisermos evitar o ponto de não-retorno climático. Da boca dos líderes mundiais já se vai ouvindo o dogma de uma retoma económica baseada na produção com toda a força e assente nos combustíveis fósseis, no turismo desenfreado, na produção industrial desregulada e na pecuária intensiva. A covid-19 reabriu debates que pareciam fechados, havendo informações que nos dão conta de pedidos de adiamento de metas para a neutralidade carbónica, de pedidos de suspensão de acordos climáticos internacionais, do desvio de fundos europeus destinados à transição da economia para outras prioridades ou da suspensão de projetos com impacto positivo para o ambiente.
O futuro pode ser negro para o ambiente, por isso, mais do que nunca devemos enfatizar que, quando chegarmos ao ponto de não retorno, o sistema climático vai reequilibrar-se de uma forma que nos parecerá muito mais inimaginável, muito mais ficção científica do que o que estamos agora a viver. No pós-covid-19, é necessário construir um novo paradigma de sociedade assente em modos de vida mais frugais e assegurar um modelo económico que respeite as metas da descarbonização, que acelere a transição energética e implemente estratégias globais de soberania alimentar. O caminho da saída da crise não pode ser o mesmo que a causou, caso contrário para que serviu pararmos tudo?
André Silva
Porta-voz e deputado do PAN