São muitas as opiniões que afirmam que, depois da crise do coronavírus, nada será como dantes.
Então, como será depois? Mudaremos de comportamento? Colocaremos o coletivo à frente do individualismo? O chamado neoliberalismo terá os dias contados? Apelaremos mais ao intervencionismo do Estado? As teorias keynesianas sairão reforçadas? As políticas sociais públicas terão outra focalização e vão privilegiar a proximidade? O projeto da União Europeia caminhará no sentido de uma maior integração política e económica? O teletrabalho vai ser fortemente incrementado? O ensino à distância passará a ser um pilar essencial dos sistemas educativos? Os populismos e os autoritarismos dos Estados irão proliferar ou, pelo contrário, um maior reforço da consciência coletiva será suficiente para a sua rejeição? O consumo desenfreado sentido como indicador de felicidade será atenuado? O combate à pobreza e às desigualdades será uma prioridade global? O ter e o parecer vão regredir em relação ao ser? A globalização terá uma maior regulação? O poder estará cada vez mais nas mãos de quem domina os nós das megaconetividades à escala global?
Ainda não é possível termos respostas para todas estas perguntas. Apenas percebemos que, hoje, a prioridade é a saúde pública e há uma clara preocupação para tentar salvar, pelo menos, uma parte da economia, especialmente no que respeita à menor perda possível de emprego e rendimentos. Em tudo o resto há apenas opiniões – a maior parte das vezes, muito pouco fundamentadas.
Dadas as circunstâncias, o funcionamento da economia vai depender, em larga medida, das decisões tomadas pelos Estados, e daí que o chamado mercado parece ir ter, no futuro, poderes mais limitados. Vamos passar de um tempo em que a preocupação maior tinha a ver com a acumulação de capital a um novo tempo de uma economia baseada na gestão da dívida.
Um aspeto que parece ser claro prende-se com a ideia de que a saída desta crise não pode ser encontrada país a país e, por isso, os conceitos de solidariedade e cooperação deveriam impor-se não por uma questão de ‘ideal’, mas como uma necessidade urgente.
A este respeito, os sinais transmitidos pela União Europeia são muito contraditórios. Por um lado, foi autorizado que os Estados-membros possam ultrapassar o limite do défice de 3%, e as empresas receber auxílios dos Estados, mas, por outro lado, são claras as dificuldades em admitir que entre em funcionamento uma qualquer espécie de mutualização da dívida e em coordenar aspetos técnicos de combate à pandemia.
Quanto à emissão de dívida pública europeia, o problema de fundo tem a ver com a forma muito incompleta como a moeda única foi criada. Perante esta realidade, este é o tempo de a União Europeia preparar urgentemente a conclusão desse projeto político. Trata-se de uma verdadeira situação de emergência. Ou a Europa faz o que falta para consolidar de forma definitiva a zona euro, ou o projeto de integração económica e política mais sofisticado do planeta desaparecerá.
Este é um dos momentos da História em que são precisos líderes à altura da situação que vivemos. Líderes que percebam que o maior ensinamento que o vírus nos proporcionou tem a ver com a existência de valores que estão bem acima do culto do individualismo e de visões de curto prazo.
Precisamos da política no seu esplendor. É neste ponto que as minhas dúvidas são mais intensas.
Silva Peneda
Economista, ex-ministro do Emprego e da Segurança Social