Vivemos tempos de incerteza e essa parece mesmo ser a única certeza destes tempos em que qualquer previsão sobre onde estaremos e até o que pensaremos daqui a seis meses parece um atrevimento. Para já, e bem, todas as atenções estão concentradas na prevenção e tratamento do vírus e na contenção do brutal efeito económico e social que desta quarentena resultará mas, parece ser já possível descortinar tendências de mudança no ‘pós vírus’ noutros setores e a segurança é uma deles. Se área existe em que não ficará ‘pedra sob pedra’ é na forma como encararemos a segurança e esta se organizará no futuro. Bem sei que por aqui, como quase no resto do mundo, vivemos em estado de emergência e que em nome de um bem maior – a vida – tudo parece ser admissível, mas a forma como certos direitos fundamentais, outrora intocáveis, hoje são encarados permite-nos prever uma alteração profunda. A proteção da vida privada e da inviolabilidade das comunicações são diariamente sacrificadas em prol de um confinamento que a saúde de todos exige. E não é só a China que o faz pois democracias tão sólidas como os EUA, a Coreia do Sul ou o Reino Unido usam, e abusam seguramente, de dados anonimizados para prever e controlar comportamentos da comunidade, de vigilância a telemóveis e cartões de crédito para localizar infratores da quarentena ou ao controlo de trafego de dados móveis para vigiar a vida de cidadãos honestos, com o aplauso geral e uma competição à escala global para ver quem é que ‘confina’ mais os cidadãos. Por aqui, a compreensão deste ‘novo mundo’ parece ser geral e a crítica, quando existe, é por defeito. Que diferença num país que parecia ser dos últimos guardiões de uma visão absoluta de proteção da privacidade e que recusava o acesso aos serviços de informação dos dados de identificação, localização e tráfego dos telemóveis para prevenir o terrorismo e a criminalidade organizada.
O acesso aos metadados pelos serviços de informação há anos que estão para regulamentação em Portugal mas esbarraram sempre no TC. Foi assim em 2015 e 2017, em dois governos diferentes mas sempre com a mesma – larga – maioria de votos do PSD, PS e CDS, mantendo Portugal como o único país da União Europeia que proibia o acesso a estes dados á sua ‘inteligência’. Tão longínqua destes novos dias parece esta interpretação. Mudam-se os tempos, mudam-se as necessidades e, com elas, as vontades e nos tempos que se seguem mais do que mudanças materialistas adivinham-se mudanças de prioridades e não será apenas na expressão dos afetos, no público dos espetáculos ou nas relações sociais, será também nas prioridades e na prevalência do comunitário sobre o individual.
Quem, como eu, sempre defendeu a regulamentação dos metadados só pode desejar que não se passe agora do ‘oito para o oitenta’ e não se permita, como muitas vezes na história, que os ‘cristãos novos’ sejam ‘mais papistas que o Papa’ e se caia no exagero. Teria sido bem melhor que esta regulamentação pudesse ter sido feita em tempos de ‘normalidade’ pois em tempos de excecionalidade todos os exageros têm o seu terreno fértil e não faltarão arautos da pseudo-modernidade a propô-los. É bom que o senso comum – não tão comum nestes contextos… – regresse também no ‘pós- covid’.
Nuno Magalhães
Ex-líder parlamentar do CDS