Foi uma semana de avanços e recuos no Brasil. Dias que reforçaram o ministro da Saúde e que fragilizaram Jair Bolsonaro. O Presidente brasileiro começou a semana a preparar a exoneração de Luiz Henrique Mandetta, mas teve de voltar atrás pressionado por vários setores e pela aprovação que o caminho defendido pelo ministro da Saúde para combater a covid-19 – o isolamento social – tem na sociedade brasileira.
Mas mesmo apesar de ter decidido manter Mandetta, Bolsonaro não mudou de ideias e na última quarta-feira fez um novo discurso que não mudou de ideias e que se mantém contrário ao isolamento: «Tenho a responsabilidade de decidir sobre as questões do país de forma ampla, usando os ministros que escolhi para conduzir o destino da nação. Todos devem estar sintonizados comigo. Sempre afirmei que tínhamos dois problemas a resolver: o vírus e o desemprego, que deveriam ser tratados simultaneamente».
E concretizou que continua a ver como mais acertado o isolamento vertical (que só abrange os grupos de risco), ao invés de um confinamento idêntico ao que estados como Portugal têm seguido – e que é o defendido por Luiz Henrique Mandetta. «Tenho a certeza de que a grande maioria dos brasileiros quer voltar a trabalhar. Esta sempre foi minha orientação a todos os ministros, observadas as normas do Ministério da Saúde», disse, deixando um recado a prefeitos e governadores brasileiros que optaram pelo isolamento social: «Respeito a autonomia dos governadores e prefeitos. Muitas medidas de forma restritiva ou não são de responsabilidade exclusiva dos mesmos. O governo federal não foi consultado sobre sua amplitude ou duração. Espero que brevemente saiamos juntos e mais fortes, para que possamos melhor desenvolver o nosso país».
«Os mais humildes não podem deixar de se locomover para buscar o seu pão de cada dia. As consequências do tratamento não podem ser mais danosas do que a própria doença. O desemprego também leva à pobreza, à fome e à miséria. Enfim, à própria morte», afirmou o Presidente brasileiro.
Bolsonaro citou ainda os apoios do seu Governo, como os 600 reais de auxílio emergencial para apoiar trabalhadores informais, desempregados e micro empreendedores durante três meses, assim como a isenção do pagamento da conta da eletricidade aos mais necessitados. Foram igualmente disponibilizados 60 mil milhões de reais via Caixa Económica Federal que se destinam a apoiar micro, pequenas e médias empresas, assim como a área da construção civil.
Jair Bolsonaro quer que hidroxicloroquina seja usada
Além das suas palavras sobre o isolamento social, outro dos pontos mais polémicos da mensagem de Jair Bolsonaro foi a defesa da utilização da hidroxicloroquina para tratar a covid-19, isto porque Mandetta tem alertado para o facto de que a eficácia de tal substância não está comprovada cientificamente.
Luiz Henrique Mandetta também falou na quarta-feira, antes de Bolsonaro, tentando passar a ideia de que as relações com o Presidente estão agora tranquilas.
«O Ministério da Saúde tem total tranquilidade para tomar as suas medidas.Tivemos as nossas dificuldades internas? Tivemos, isso é público. Porém, nós estamos prontos.Cada um ciente do seu papel nessa história», assegurou Mandetta, rematando qual a sua posição sobre a utilização da cloroquina: «O Presidente da República em nenhum momento fez qualquer colocação para mim diretamente de imposição. Ele defende, como todos nós, que se há hipótese melhor para esse ou aquele paciente, que a gente possa garantir o medicamento.Mas também entende quando a gente coloca situações que podem ser complexas, que nós precisamos que os conselhos [de medicina] analisem».
Após uma semana muito tensa da qual saiu muito reforçado, Mandetta preferiu pôr água na fervura: «O Presidente é muito parceiro, muito voluntarioso, tem um pensamento muito forte no Brasil. A gente vai dando passos rumo a uma unidade muito boa por parte do Governo».
Mandetta esteve de gavetas arrumadas para sair
O ministro da Saúde chegou mesmo a arrumar as gavetas do seu gabinete antes da reunião de segunda-feira à noite com Bolsonaro da qual saiu com um anúncio: «Vamos ficar». A imprensa brasileira refere que a decisão de exonerar Mandetta já estava tomada por Bolsonaro e que só foi travada após manifestações de bastidores de congressistas, generais de peso do Exército e juízes do Supremo Tribunal Federal.
Quando falou no final da reunião com Bolsonaro, o ministro aproveitou ainda para revelar ter lido a alegoria da caverna no último fim de semana, deixando assim claro que, tal como defende o texto de Platão, acredita que só se pode sair da escuridão através do conhecimento. Nas redes sociais, muitos entenderam que esta foi mais uma boca em relação ao posicionamento do Presidente.
Luiz Henrique Mandetta, politico e médico ortopedista, tem evitado sempre responder de forma direta às posições de Bolsonaro – que chegou já a referir-se à covid-19 como uma «gripezinha» –, assim como às suas ameaças. No domingo (dia 5) à noite, ao ser questionado sobre novas ameaças públicas de demissão por parte do Presidente, Mandetta respondeu ao jornal Estado de São Paulo com voz de sono: «Estou dormindo. Amanhã eu vejo, ‘tá?».
A resposta do ministro chegava depois de Jair Bolsonaro ter ironizado com o trabalho de Mandetta nesse dia à porta do Palácio do Planalto, dizendo que «algo subiu na cabeça» de alguns seus subordinados, mas que «a hora deles [iria] chegar».
«Algumas pessoas no meu governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando. Eram pessoas normais, mas de repente viraram estrelas. Falam pelos cotovelos. Tem provocações. Mas a hora deles não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles. A minha caneta funciona. Não tenho medo de usar a caneta nem pavor. E ela vai ser usada para o bem do Brasil, não é para o meu bem», disse Bolsonaro.