O ntem, em conversa com a minha mãe – que já não vejo há mais de um mês –, esta dizia-me que, em Itália, as pessoas que sabiam estar condenadas já nem iam para o hospital, preferiam morrer em casa, acompanhadas. Curioso, porque nesse mesmo dia acordei a pensar em ter ouvido muitas vezes a minha avó dizer que não queria vir a morrer num hospital, ainda que esse desejo pudesse antecipar a sua partida. Felizmente, a minha avó veio a falecer de forma tranquila, em casa, com 100 anos, ao pé de quem mais amava, a irmã, então com 98 anos, e a filha – a minha mãe.
Em pequena, esta ideia do medo de morrer num hospital causava-me alguma estranheza, mas agora, mais do que nunca, percebo a que se refere. É de uma crueldade enorme o que se está a passar em alguns países. A ida para um hospital em estado grave, despojado de tudo e de todos, como se se caminhasse para uma câmara de gás, é de uma dureza enorme. O confronto com a falta de meios quando se chega, reviver a vida numa cama solitária, sem a presença de alguém que aconchegue, que afague as mãos, que arranque um último sorriso, enquanto se sente o fim a aproximar. A certeza de que nunca mais se voltará a ver quem mais se ama, que se partirá sozinho, naquele sítio inóspito. E do outro lado está quem fica em casa em angústia, a rezar, a temer o pior, sem notícias, a sentir-se totalmente impotente para fazer o que quer que seja. Num sofrimento solitário, em que não se pode confortar nem ser confortado. E, por fim, a despedida, confinada a poucas pessoas que não se podem tocar, beijar, abraçar, apoiar no calor umas das outras.
É brutal! Nunca assistimos a nada assim. E esta distância, esta falta de aconchego, acontece também com todos os que partem por outros motivos. É uma péssima altura para morrer! Para quem parte e para quem fica.
No meio deste tumulto e da urgência do funeral, que se dá em passos rápidos e afastados do caixão e dos outros, é possível que nem haja espaço para pensar, para sentir, para refletir. É provável que o luto se inicie depois, quando houver espaço e disponibilidade para ele. E é essencial que essa altura chegue, que haja espaço para isso, seja quando for.
Felizmente, por cá temo-nos portado bem, embora ontem já tenha visto muito mais gente na rua. Tivemos a vantagem de ver o que começava a aproximar-se e, antes de serem decretadas medidas de confinamento, muitas crianças e adultos recolheram-se em casa. É essa solidariedade e esse sentido de grupo que têm evitado muitas mortes. Ainda estamos longe de chegar ao fim e não sabemos o que mais virá, mas quantas mais pessoas pudermos evitar que partam em condições desmerecidas e demasiado cedo, melhor terá sido o nosso trabalho. E só desejo que tudo isto acabe depressa, para que se possa voltar a morrer condignamente, junto de quem se ama, com um abraço apertado entre quem sofre, para que possamos voltar a estar todos juntos novamente. E em segurança.