Diante do sofrimento inocente, o homem coloca sempre a mesma pergunta: se Deus existe, porque sofrem as crianças, porque sofrem os pobres, os indefesos? Nós até compreendemos que sofra um malfeitor, um ladrão, um abusador. O que não nos cabe dentro da cabeça é o sentido do sofrimento dos inocentes!
Neste período somos tentados a toda a hora a perguntar: onde está Deus agora? Se Deus existe, porque não faz parar esta pandemia? Se Deus é todo-poderoso, porque não intervém agora na nossa história e nos livra deste sofrimento? Porque estão tantos inocentes a morrer?
O panorama desta pandemia é assustador no sofrimento que tem causado. São milhares de idosos que, por si só, já são indefesos, mas também médicos, enfermeiros, auxiliares. Ninguém é poupado! E muitos são mortos enquanto dão a vida para curar os outros. É uma desgraça pegada.
Onde está Deus agora? Onde está o seu poder? Onde a sua misericórdia? Porque nos deixa Deus sozinhos à mercê desta doença? Porquê? Mesmo nos crentes, estas perguntas não deixam de fazer eco.
Voltei a ver, como faço desde há vários anos, o filme de Mel Gibson sobre A Paixão de Cristo. Logo no início há um diálogo tirado do livro de Catherine Emmerich, uma mística alemã do séc. XVIII. Jesus reza o salmo 31, com suor de sangue a escorrer pela cara: «Ouve-me, ó Pai. Ergue-te. Defende-me. Salva-me das armadilhas que me prepararam». Neste sofrimento, aparece uma figura sedutoramente medonha que lhe faz duas perguntas: «Quem é o teu pai? Quem és tu?».
Estas perguntas devem ser respondidas com maior razão, porque toda a Paixão está construída para responder a uma pergunta: «Se é filho de Deus, desça agora da cruz e acreditaremos nele». No fundo, está por detrás a mesma pergunta: «Quem é o teu Pai? Salvou tantos e não pode servir-se a si mesmo?»
Na realidade, a primeira coisa que queremos quando estamos numa situação de sofrimento é sair do sofrimento, acabar com o sofrimento, sair da cruz. Se Deus acabasse magicamente com o sofrimento de Jesus Cristo, todos saberiam quem é o Pai de Jesus! Se Deus acabasse magicamente com esta pandemia, hoje, todos viriam a acreditar neste Deus todo-poderoso.
O problema é que tudo isto não passa de uma alienação. Sair do sofrimento não passa de uma alienação. Porque Deus poderia intervir hoje no nosso sofrimento e acabar com a pandemia, mas logo virá outro pico da pandemia daqui a uns meses ou daqui a uns anos, e a nossa fé, alicerçada num ato mágico, desaparece.
Deus não poderia ter livrado o filho – Jesus Cristo – do sofrimento da cruz como livrou Abraão de ver o seu filho morto? Claro que sim!
O problema é sempre o mesmo. Onde está Deus? Quando a vida nos corre bem, é fácil podermos vê-lo. Mas quando aparecem os sofrimentos, entramos numa espiral de perguntas!
Para compreendermos a profundidade do cristianismo, precisamos de entrar no mistério da Paixão de Cristo e nas condições para o discipulado: «Se alguém quer ser meu discípulo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz em cada dia e siga-me».
Tomar a sua cruz em cada dia é aceitar a sua realidade. Tomar a cruz é aceitar os acontecimentos da nossa vida. Fugir da cruz, fugir do sofrimento é procurar uma alienação que nem Deus nem a religião séria poderá oferecer-nos.
Deus poderia ter livrado Jesus do sofrimento? Sim. Mas tinha para ele, como tem para nós, um bem maior, a força potente da Ressurreição. Porque este é o poder da cruz. Que, se olhares nesta Páscoa para ela, poderás ter vida eterna e saberás onde está Deus neste sofrimento todo! Ele está aí… a abraçar-te!