Ainda estamos a viver este tenebroso pesadelo, mas não deve haver ninguém que não se interrogue já sobre aquilo que poderá vir a seguir a esta devastadora crise que apanhou o mundo desprevenido e o tem castigado sem dó nem piedade.
As vítimas mortais são em número assustador, os infetados atingiram proporções inimagináveis, a economia a tombar como um castelo de cartas e as ondas de choque não tardarão a aparecer e a causar estragos num futuro próximo – como, aliás, se prevê, e é bom estarmos preparados para as enfrentar.
De um modo geral, o nosso povo tem respondido favoravelmente ao que lhe é pedido, e tem aceitado com resignação as determinações impostas pelo Governo. No terreno, os profissionais de saúde não têm mãos a medir, deparando-se com inúmeras dificuldades, sendo da mais elementar justiça enaltecer o esforço e a dedicação de todos eles nestas horas de sofrimento e de angústia.
Em casa, as pessoas obrigadas a manter o isolamento (um mal necessário), sentindo a falta das rotinas habituais, vão acompanhando pela televisão as imagens terríveis do que se vai passando noutros países onde o pânico e a dor são ainda maiores do que no nosso…
Eu próprio assisti a uma entrevista de um colega espanhol que, em pleno hospital, se confrontava com a possibilidade de ter de fazer opções quanto à utilização de um ventilador – perante vários doentes a precisarem de ventilação e não haver aparelhos ventiladores em número suficiente. Um verdadeiro drama colocado à classe médica. Não sei mesmo como reagiria eu se me visse em tais circunstâncias.
Ao mesmo tempo, as notícias são catastróficas e o que se vê no pequeno ecrã é assustador – como, por exemplo, doentes em macas espalhadas pelos corredores das urgências implorando auxílio, ou vítimas mortais a caminho da última morada sem direito sequer à presença de familiares… O suficiente para ferir sensibilidades e abrir caminho à depressão.
No entanto, à medida que o tempo corre, perguntamos só para nós: Como será o futuro? Como será a nossa vida se escaparmos ilesos a este flagelo?
Neste jornal, várias personalidades de renome vão emitindo o seu parecer, entre as quais D. Manuel Clemente, que, no seu estilo habitual, simples, objetivo e esclarecedor, não podia ser mais claro: «Para todos indicia-se o que havemos de ser, certamente melhor, quando nos reencontrarmos mais à frente».
O seu depoimento, que subscrevo na totalidade, bem como a mensagem de esperança subjacente, tem sido para mim uma ajuda preciosa, que vou tentando transmitir sempre que me procuram em situações de aflição ou de desespero.
De facto, o stresse, o desgaste do dia-a-dia, o ruído e a agitação própria da vida frenética que levamos, deu lugar ao silêncio, às ruas vazias com tudo fechado causando ‘medo’, e a uma calma aparente que não conhecíamos e que nos deve levar à reflexão. Como será depois? O que virá a seguir? Qual o nosso futuro? São perguntas a que ninguém poderá responder. Para os crentes, a seguir ao Calvário vem a Ressurreição; para os outros, serve o velho ditado ‘não há mal que sempre dure’. Uma coisa, porém, é certa: temos que aprender a lição a todos os níveis e estarmos atentos e preparados para que as surpresas da vida não apanhem ninguém desprevenido.
Com tudo isto, quase não nos demos conta de que estamos prestes a celebrar a Páscoa. Uns passá-la-ão nesta Terra com ou sem familiares, outros já na morada eterna – alguns deles vítimas deste flagelo.
Uma dessas vítimas, a quem hoje presto homenagem, é o padre italiano Giuseppe Berardelli, de 72 anos, que prescindiu do ventilador de que necessitava (comprado pela paróquia) a favor de um doente mais novo. Este gesto permitiu ao mais jovem continuar neste mundo, enquanto ele seguiu para a Casa do Pai – onde já se encontra a viver a Páscoa de forma plena.
O exemplo do padre Berardelli ficará para a História e será recordado sempre como ‘a maior prova de amor’. Neste momento particular, curvo-me perante a sua memória e tenho como referência o seu testemunho, para o qual não encontro palavras que definam o meu apreço e a minha gratidão.
Que a luz de Cristo Ressuscitado brilhe nos nossos corações, para que no tempo novo, onde havemos de chegar, se possa ouvir, finalmente: Aleluia! Aleluia!
(À memória do Padre Giuseppe Berardelli)