Pneumónica, 1918-1919. Morreram milhões, mas o mundo não parou. Não havia TV nem redes sociais, a informação não circulou e não houve pânico. Enterrados os mortos, recuperados os doentes, a vida retomou o seu ritmo… apesar da guerra.
Cerco de Madrid, 1936-1939. Por três anos, Madrid esteve cercada pelas tropas de Franco, que forçava a deposição do governo da República. Valeram aos madrilenos as celebradas lentilhas, e os coelhos, galinhas e pombos criados em capoeiras improvisadas. A vida social em pouco se alterou, com os cinemas a passarem as mesmas fitas, repetidamente rasgadas e coladas, e os teatros a levarem à cena novas representações. Nem uns nem outros cobravam bilhete. Nas tabernas, bebia-se água, porque não havia dinheiro para mais. Certo que não havia perigo de contágio, nem de bombas a cair, mas, por três anos, os madrilenos suportaram o clima de guerra. E não quebraram.
Bombardeamentos de Londres, 1940-1944. Sem idade para se alistar, um pacato londrino fazia a sua vidinha, quando foi interpelado: «Não tem medo?» «Medo de quê? – respondeu o homem. – Para me matar, a bomba teria de furar a defesa da costa, escapar aos bravos pilotos da RAF e desviar-se dos balões que defendem Londres. Se acabasse por chegar à cidade, teria de procurar o meu bairro, a minha rua e saber o número da minha porta. Ainda assim, não me apanhava… porque nessa altura eu estaria no pub».
Três datas, três perigos, o mesmo comportamento: a vida seguiu igual.
Pandemia covid-19, 2020. A maior parte dos governos decretou o estado de emergência, mesmo sabendo-se que, quanto mais se fizer para proteger as pessoas no imediato, mais elas irão sofrer a médio prazo. A travagem da economia fará disparar o desemprego, arrastando a penúria e o risco de conflitos sociais. Basta pensar nos coletes amarelos em Paris, para se perceber que assaltos e saques a supermercados não são um exclusivo da América do Sul.
Na União Europeia foi a desorientação, com os estados-membros incapazes de se coordenarem para fugirem ao mercado negro das máscaras e dos ventiladores. Foi cada um por si e, mais grave, a tentar passar a perna ao vizinho.
Os que discordam da travagem da economia, alertam para a força descomunal que vai ser necessária para repor circuitos, reerguer empresas arruinadas e criar emprego. No reverso da moeda, está um cenário igualmente assustador: onde estará a saúde física e mental dos que tiveram dificuldades em lidar com o isolamento?
Estaremos a tempo de reverter a situação? Só teremos respostas quando se tomarem medidas com vista à reposição da normalidade. Entretanto, com as necessárias cautelas, bibliotecas, livrarias, teatros, cinemas, restaurantes, cafés e cabeleireiros deveriam ser autorizados a abrir as portas, por forma a que as pessoas se sintam estimuladas a regressar à rua. Escolas com espaços francos ao ar livre também poderiam estar disponíveis para receber as crianças cujos pais prefiram o convívio ao confinamento.
Tudo está em pensar, planear, definir regras, organizar e pôr em execução.