por Inês Moreira da Cruz
Vivo com o meu marido e o nosso filho perto de Lisboa, numa zona tranquila e num prédio com poucos andares e poucos vizinhos.
Os meus irmãos, três no total, vivem todos no estrangeiro há anos. As saudades matam-se verdadeiramente nas férias de Verão, quando nos reunimos em casa da minha mãe.
Ouve-se falar francês, italiano, inglês e espanhol, além do português, claro. As crianças que gostam tanto da casa rapidamente se entendem e inventam brincadeiras nas escadas, no quintal e parece que se viram no dia anterior tal é a facilidade como tudo flui. Já os adultos precisam de um pouco de tempo para quebrar o gelo causado pela distância.
Mas o certo é que a boa disposição acaba por reinar entre todos. As refeições com a mesa cheia são momentos privilegiados para todos, mas há também passeios na natureza e jogos numa tentativa de absorver cada momento.
Mas agora são outros tempos…
Confesso que quando ouvi falar de isolamento e quarentena me assustei. E agora? Como vai ser?
A minha família nuclear gosta de parques e caminhadas e o meu filho precisa mesmo de gastar energias. Como se resolve estando em casa?
Passados os primeiros dias de incertezas vamos os três verificando que até se torna fácil. Há rotinas.
Eu com algum teletrabalho, o meu filho com tarefas enviadas pela professora e o meu marido no trabalho de sempre. Mas à medida que os dias vão passando…
Surpresa! Os contactos através das redes sociais multiplicam-se entre mim e os meus irmãos e também entre primos. Com naturalidade, com vagar.
As conversas passam a ser longas. Não há pressa para ir trabalhar, nem stress a pensar no trânsito. Trocam-se presentes, vídeos e surge muita criatividade que dantes nem pensava ser possível.
Ouvimo-nos mais uns aos outros, com total disponibilidade. Que ganho!
Temos mais tempo para ir ao encontro das necessidades de cada um.
Sentimos as nossas fragilidades.
Aceitamos as nossas diferenças.
Assumimos as nossas responsabilidades. Ganhamos coragem para dizer adeus ao que não nos interessa. Damos as boas vindas a tudo o que desejamos sentir de verdade. Encorajamo-nos. Sabemos que estamos aqui uns para os outros a tempo inteiro agora. Semeamos com carinho, escutando a música que vem de dentro de cada um.
Apreciamos a vida. Respeitamos este momento que nos vai levando com humildade até à nossa essência. Que ganho!
Recordamos a nossa infância. Falamos dos disparates que fazíamos. O que os nossos filhos agora se divertem a ouvir!
Partilhamos mais, muito mais!
O meu filho a dar aulas de ioga para todos, a minha afilhada a proporcionar momentos de exercício físico, a minha sobrinha a fazer cartazes coloridos com origamis e a fazer crepes com o pai. O meu sobrinho a ler textos lindos escritos por ele. Já sabia que é muito bom a matemática, mas desconhecia-lhe o dom da escrita como a sua mãe. O que se descobre em quarentena!
Os dias correm quase com tranquilidade, se não fossem as notícias…
As circunstâncias são tão difíceis e confusas que, por vezes, me sinto com se estivesse mergulhada na escuridão. É na oração que encontro ânimo, consolo e paz, porque sofro com as mortes, com os idosos, o desgosto das famílias, a dor dos pacientes e a impotência de todo o pessoal hospitalar por não conseguir fazer mais e melhor como certamente gostaria. Mas vejo também gente maravilhosa a oferecer várias soluções e a dar o seu melhor, a trabalhar para além dos limites supostos humanamente, não só dentro dos hospitais mas também fora.
Vejo gente agradecida, solidária e ao serviço dos outros numa dádiva sem igual. Bem-haja a todos!
Aqui por casa a vida corre com serenidade, apesar das incertezas. Há oportunidade para fazer coisas novas: contemplar com parcimónia o Tejo da janela da cozinha, cozinhar em família, fazer ginástica e claro trabalhar também. Finalmente já sei jogar BeyBlade! Há que tempos o meu filho me pedia!
Eu comecei a escrever todas as coisas maravilhosas que tenho na vida. A lista já vai longa, mas ainda falta tanto! É possível que a quarentena acabe e a lista não fique pronta!
Tenho a bênção de ter uma família maravilhosa e agora nem sinto a distância, tantos são os valores que nos unem!
O meu filho e o meu sobrinho disseram quase no mesmo dia e sem saberem um do outro:
– Gosto tanto da minha família!
Tenho o hábito de ligar diariamente aos meus pais e se, por acaso, me atraso o meu filho faz questão de me lembrar e já me afirmou que quando for crescido e eu já velhinha também me vai ligar todos os dias.
Estamos juntos no amor pela vida, pelas vidas que nos rodeiam. Descobrimos o que nos motiva: a capacidade de amar. Acreditamos que só no amor encontraremos as respostas que precisamos.
Escolhemos este caminho aqui e agora.