Acâmara começa a filmar e Elisabete Neves deixa de ouvir a sua voz. O ambiente é descontraído, mas as luzes e o silêncio do estúdio fazem a professora de Educação Física «sentir uma corda no pescoço» enquanto dá a sua primeira aula naquela que vai ser, a partir de segunda-feira, a versão 2020 da telescola. Não há teleponto, não há guiões, nem tão pouco corte de imagem – o objetivo é mesmo que os alunos sintam um bocadinho da escola nas suas casas e que aqueles são, de facto, professores verdadeiros. Elisabete tem um relógio à sua frente – suficientemente grande para se ir orientando – que conta 30 minutos a partir do momento em que alguém diz que é para começar.
Esta não é uma aula de papel e caneta, mas sim de equipamento, toalha, e até hidratação – e é isso que a professora vai escrevendo no quadro para os alunos dos 7.º e 8.º anos. Ao lado do quadro, existe uma mini sala – com uma estante, uma cadeira, dois candeeiros, livros – e Elisabete até pega na mesa que está ao centro, colocando-a noutro sítio para conseguir ter espaço. No fundo, é o que muitos alunos poderão ter de fazer em casa para poderem estender uma toalha no chão.
A abrir a aula, esta docente dá alguns conselhos aos alunos: «Para serem saudáveis têm de fazer exercício, dormir um número de horas adequadas». E, finalmente, começa o momento de mexer o corpo: aquecimento, depois ginástica e, por fim, exercícios, como agachamentos ou flexões. «Nas flexões, os cotovelos são ao lado do corpo, não vão para dentro», explica. À secretária, está a professora Ana Ruivo, que vai colocando os vídeos de dois alunos do Agrupamento de Escolas de Alcanena – de onde vêm estas duas professoras. As imagens mostram dois jovens, alunos da professora Elisabete, cujos pais deram autorização para que, há cerca de duas semanas, fossem gravar estes vídeos à escola. «Sempre com a devida distância e cumprindo todas as regras», esclarece de imediato Ana Ruivo.
Aqui, os exercícios são pensados ao pormenor. Nada se inventa, o programa curricular é seguido, mas as duas professoras prepararam as aulas sempre com a ideia de que do lado de lá estão centenas de alunos e não há duas pessoas iguais. «Escolhemos os exercícios que eles conseguiriam fazer sem tanto acompanhamento, porque se não têm sucesso desistem facilmente, ou custa muito, ou dói aqui, ou dói ali. Por exemplo, optámos pelo rolamento à frente em vez do rolamento à retaguarda, porque eles têm sempre mais dificuldade neste último», explicou Elisabete Neves. E a professora Ana Ruivo acrescentou que «é muito importante encontrar um equilíbrio e a capacidade dos alunos em fazer os exercícios é diferente».
‘Só sabemos dar aulas, não somos pivots’
Enquanto as duas professoras de Educação Física estão a gravar as suas aulas, Susana Santos está sentada do outro lado das câmaras. «Estão a ir muito bem», diz a professora de Físico-Química sobre as colegas do mesmo agrupamento. Susana Santos está na fase de descanso e os nervos desapareceram, já que antes tinha sido a sua vez de dar aula também aos alunos dos 7.º e 8.º anos – uma meia hora bem diferente da de Educação Física. Se, por um lado, é muito difícil fazer com que os alunos se mexam em casa, é também um desafio antecipar as dúvidas dos alunos durante uma aula virtual que é uma espécie de monólogo. «Isto aqui acaba por ser mais fácil de outro ponto de vista: É que não temos de controlar 30 alunos», explica Susana Santos.
A professora que está no centro do plano a dar a aula de Educação Física tem filhos pequenos, mas mesmo assim quis estar ali, no projeto desenvolvido pelo Ministério da Educação chamado ‘#EstudoEmCasa’, «a representar todos os professores». O processo de seleção dos docentes que vão fazer companhia aos alunos durante o terceiro período foi simples, explicou Ana Ruivo: «A direção lançou o desafio e nós vestimos a camisola». «Fomos lançados às feras, mas sempre nos pediram para sermos nós, para sermos autênticos, não nos obrigaram a seguir um guião. Nós só sabemos dar aulas, não somos pivots e cada um tem as suas fragilidades», acrescentou.
Gráficos e tabelas
Ainda que não tenha de estar atenta ao comportamento dos seus alunos, através dos gráficos e das tabelas que passam no quadro, a professora de Físico-Química vai fazendo perguntas e aguarda uns segundos para que os alunos que estão em casa respondam. Primeiro fala-se em estado líquido, sólido e gasoso. Depois sobre amplitude, período e frequência de onda – uma matéria muito visual, impossível de explicar sem gráficos, por exemplo. Primeiro, surge um gráfico no quadro, depois um pequeno resumo por pontos que os alunos devem copiar para o caderno. Esta matéria, explicou a professora Susana Santos, tem uma parte de revisões e outra parte de conteúdos novos. «Para poder avançar, aproveitei para rever matéria que eles já tinham dados. O objetivo é que o programa seja terminado até ao final do ano letivo». Para isso, já está feito o calendário das aulas e da matéria a dar em cada aula até ao final do ano.
Faltam cinco minutos para a aula de Susana Santos terminar. E a ajuda das colegas é fundamental, porque nesse momento, Ana Ruivo pega num papel com o número cinco e exibe, atrás das câmaras, para que a professora saiba que está quase a terminar a sua aula. Em cinco minutos, os alunos passam para o caderno a síntese da aula e ainda têm tempo para um desafio que a professora resolve em conjunto.
Na próxima quinta-feira, os alunos dos 7.º e 8.º anos vão ver estas três professoras na televisão e nessa altura elas já estarão a gravar as próximas aulas. Com menos nervosismo e mais confiança, garantem. «Imagino que lá em casa fiquem ligeiramente atrapalhados a acompanhar a sequência, mas queremos é tirá-los do sofá». E nas próximas semanas chegam também novos conteúdos. «Vamos realizar duas sessões de dança para eles perceberem que não é só condição física, não é só força, temos de trabalhar outras coisas», explica Elisabete. Já a professora de Físico-Química, talvez comece a utilizar o quadro interativo, «porque os alunos também gostam de ir acompanhando a resolução dos exercícios» e já viu que outros professores estão a usar.