No início de abril, já infetada pelo vírus, Maria de Sousa escreveu um poema. Bateu as palavras em inglês, língua também sua, por força da carreira que abraçou. «Porque posso morrer e vós tereis de viver/ Na vossa vida a esperança da minha duração», diziam os dois últimos versos, que antecipavam efetivamente aqueles que seriam os seus últimos dias. A imunologista morreu na passada terça-feira, na unidade de cuidados intensivos do hospital de São José, em Lisboa. Tinha 81 anos.
Nascida em Lisboa, a 17 de outubro de 1939, Maria de Sousa começou por estudar piano antes de abraçar a medicina e a investigação e de se tornar numa das mais importantes cientistas portuguesas. Licenciou-se pela Faculdade de Medicina de Lisboa, em 1963, e dali saiu para prosseguir a sua formação. Como bolseira da Gulbenkian, seguiu para os Laboratórios de Biologia Experimental em Mill Hill, em Londres. E foi ali que, em 1966, publicou um artigo científico que continua atual e que foi um grande passo para o campo da imunologia, e que versava sobre a descoberta da hoje chamada área T. Doutorou-se de seguida nesta mesma área na Universidade de Glasgow antes de rumar para os Estados Unidos, onde foi professora Associada na Escola de Estudos Pós-graduados do Cornell Medical College (Nova Iorque). Em simultâneo, tornou-se diretora do Laboratório de Ecologia Celular no Instituto Sloan Kettering de Investigação em Cancro, em Nova Iorque.
Voltou a Portugal em 1984 para responder ao desafio do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), no Porto, onde fundou o mestrado em Imunologia. Dirigiu depois uma investigação pioneira no campo da hemocromatose, repartida entre o ICBAS, pelo Hospital Geral de Santo António, e o Instituto de Biologia Celular e Molecular. Continuou a sua carreira sempre como docente e investigadora e orientou centenas de alunos, que a descreviam como uma tutora exigente, mas justa. Deixou uma vasta obra científica publicada, mas era uma mulher de interesses em outras latitudes, que passavam também pela arte.
A investigadora emérita do Instituto i3S e professora Catedrática Jubilada do ICBAS recebeu inúmeros prémios internacionais e foi condecorada ao longo da sua vida por por três Presidentes da República. A última destas distinções, a Grã-Cruz da Ordem Militar de San’tiago de Espada, foi-lhe atribuída em 2016 por Marcelo Rebelo de Sousa. A condecoração visou distinguir o mérito literário, científico e artístico de Maria de Sousa.
«Mas antes de morrer/Quero que saibam/O quanto gosto de vós», disse Maria de Sousa naquele derradeiro poema.