1.Já se caracterizou suficientemente os contornos, características, dimensão e o nível de desestruturação da economia e do tecido produtivo provocado pela atual crise.
Destacaria algumas evidências:
– A estratégia de combate à epidemia passou pelo confinamento da sociedade e da economia de forma a controlar os efeitos do vírus e preservar a capacidade do Serviço Nacional de Saúde.
– Ocorreu um unanimismo social em relação a todas as grandes decisões: suspensão das aulas; estender o confinamento à economia; decretar estado de emergência; encerramento definitivo do ensino presencial no pré-escolar e básico.
– As raras opiniões que alertavam para a necessidade de um equilíbrio entre a preservação da saúde pública e a paralisação da economia foram anatemizadas.
– A frente da batalha é composta por duas linhas de combate: uma, liderada pelos profissionais da saúde justamente enaltecidos e glorificados pelos media e população; e outra, pelos trabalhadores e empresários que nos seus locais de trabalho tentam impedir a paralisação da economia, apesar de esquecidos pelo país (nas duas primeiras semanas) e sem qualquer reconhecimento social.
– Uma frenética produção de medidas e propostas para enfrentarem a crise foram elaboradas por diversas entidades e atores da sociedade civil. Foram apresentadas publicamente 387 propostas, todas elas consideradas pelos próprios autores, de imperiosa e urgente execução, sob pena do governo arriscar-se a deixar o país numa situação de anomia social.
– As medidas do governo português de apoio à economia apresentadas na fase inicial da crise, comparam bem com as adotadas pelos governos de outros países, apesar da evidente desproporcionalidade dos recursos orçamentais, dos diferentes estados das contas públicas e montante da dívida.
– A dimensão dos números da crise é assustadora. Os resultados do inquérito à economia real elaborado pelo INE e pela AIP com amostras significativas (4.293 e 2.411 respetivamente), demonstram a dinâmica do agravamento: 80% das empresas reduziram vendas; 20% encerraram total ou parcialmente; 48% recorreram ao layoff; 13% despediram ou tencionam despedir.
– Começou-se a verificar que alguns critérios estipulados nas medidas estão a condicionar o acesso de muitas empresas. Até ao dia 14 de abril, 29% das empresas não recorreram ao layoff por não cumprirem os requisitos prescritos. E 9,8% não tiveram acesso a qualquer tipo de medidas, devido a dívidas fiscais por regularizar antes da publicação das mesmas.
2. A curto prazo parece-me que existem factos que merecem atenção:
Regresso gradual da atividade económica
Continuar a preservar a saúde pública e libertar a economia da prisão domiciliária a que foi submetida é uma equação difícil de gerir. A pressão para o regresso gradual à produção, ao consumo e à circulação das pessoas vai aumentar.
No referido inquérito da AIP, 76% das empresas defendem o regresso gradual da atividade económica à normalidade (produção, consumo, circulação de pessoas): de imediato 20% e em maio 56%. Esta posição é maioritariamente defendida pelas médias (81%) e grandes empresas (75%) e pela indústria (82%) e construção (78%).
O levantamento das restrições ao confinamento económico nos outros países europeus, vai também aumentar a pressão para que tal ocorra em Portugal.
Choque de seleção no tecido empresarial
Na anterior crise cessaram atividade cerca de 1/3 das sociedades comerciais. Neste momento, as empresas sem acesso ao layoff e às medidas de apoio, atrás referidas, constituem o principal fator de agravamento das insolvências. Não havendo condições para flexibilizar critérios de adesão às medidas e alterações à legislação de insolvências, os valores estimados indiciam um choque de seleção que evito adjetivar.
Programa de relançamento económico
A grande preocupação a curto prazo consiste no desenho do programa de relançamento económico do país. Tudo se vai jogar neste domínio e devia assumir-se já como a principal prioridade.
À área laboral colocar-se-ão questões de difícil gestão. Por exemplo, o modo como se irá conciliar o enquadramento de novas formas de trabalhar, a flexibilidade de horários, descentralização de negociações sociais para o interior das empresas, etc.; com um quadro jus-laboral que se baseia nas premissas da 2.ª revolução industrial. Também se discutirá se é possível combater o desemprego com legislação que proíbe ou limita os despedimentos mas que não conseguirá impedir as falências.
Será também difícil evitar a discussão sobre o setor público/privado no tocante à segurança do emprego e na diminuição de rendimentos.
Base social de apoio às medidas do Governo
Em situação de emergência nacional como a que estamos a viver, é necessário e imprescindível, uma base social alargada de apoio às medidas do governo.
O alcance e a escolha das decisões não serão fáceis. E quem na sociedade portuguesa escolheu como forma de vida, criar riqueza e emprego, terá de estar integrado nesta base social de apoio, tentando, todavia, demonstrar que tudo o que melhora a conta de exploração das empresas beneficia o país.
por José Eduardo Carvalho
Presidente da AIP-CCI