No entanto, vale a pena atentar nas lições económicas que devemos, desde já, retirar da evolução da pandemia e do combate que se trava pela saúde pública; de como, no fundo, a presente crise de saúde pública está entrelaçada com uma economia demasiadamente globalizada.
Em primeiro lugar, e como foi oportunamente notado pelo geógrafo Mike Davis, aquando da epidemia do SARS, estamos crescentemente dependentes de um modelo de produção agropecuário intensivo, de larga escala e deslocalizado, onde a concentração de animais potencia a geração de velhas e de novas epidemias. Em segundo lugar, existe uma intensa mobilidade internacional de pessoas, de profissionais a turistas, promovida pelo atual modelo globalizado de produção e de lazer, o que naturalmente contribuiu para a disseminação do covid-19. Finalmente, a escassez e açambarcamento de bens e equipamentos necessários à prevenção e tratamento do vírus, combinada com a sua concentração produtiva em determinadas áreas, impediu respostas adequadas de inúmeros países, como foi o caso flagrante de Itália, confrontada com proibições de exportações dos seus ‘parceiros’ europeus. O comércio internacional liberalizado, que, a par dos erráticos fluxos financeiros internacionais, constitui a base de uma economia globalizada regida pelos apetites do mercado, mostrou os seus pés de barro.
Se quisermos prevenir novas pandemias, estar melhor preparados para as combater e dispor dos instrumentos necessários para os desafios da recuperação económica, temos de ser capazes de garantir a nossa segurança económica e social. Esta vai desde a segurança alimentar à proteção dos nossos Serviço Nacional de Saúde, passando pela preservação e promoção de setores estratégicos de produção industrial nacional. Em suma, precisamos de recusar os ditames dos mercados internacionais e encetar um processo de desglobalização parcial, promovendo, na medida do possível e do desejável, a produção local, o emprego de qualidade e os serviços públicos. Para isso os Estados, enquanto instituições que refletem a vontade democrática, têm de recuperar e repensar os instrumentos de planeamento económico que regeram, de forma bem-sucedida, os destinos da economia internacional a seguir à Segunda Guerra Mundial. Só com política comercial, política industrial, soberania monetária, controlos de capitais e, sobretudo, um sistema de crédito público ao serviço do progresso social, podemos democraticamente prevenir futuras catástrofes e responder aos enormes desafios que agora se levantam, sem esquecer outras emergências, como o combate às alterações climáticas.
por Nuno Teles
Professor na Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia, Brasil