‘Itália sem Pasquetta’

O meu marido ficou inconsolável, assim como milhões de Italianos. Em vez da habitual reunião ao ar livre, partilharam-se vídeos nas redes sociais, fizeram-se chamadas telefónicas coletivas, improvisaram-se piqueniques em casa. Até o Papa Francisco celebrou a missa sozinho e Andrea Bocelli cantou numa Milano deserta. Teremos de esperar 2021 para celebrar a Pasquetta como…

por Joana Moreira da Cruz
 

O Governo italiano decretou o isolamento social até 3 de maio. Já não estamos obrigados a deslocar-nos a apenas 200 metros do domicílio, mas devemos permanecer próximos do local de residência. Em contrapartida, ninguém pode sair de casa sem máscara nem luvas e há multas previstas para os que não cumprem. As máscaras continuam a ser distribuídas regularmente na cidade onde vivo pelos funcionários da Câmara Municipal. Talvez as medidas voltem a ser mais rígidas porque tem aumentado o número de pessoas que abusam. Desde que o país foi invadido pelo coronavírus as informações mudam quase diariamente e é difícil mantermo-nos atualizados.

Giuseppe Conte insiste que a quarentena é a única forma de combater esta pandemia e pede a colaboração de todos. No entanto, são cada vez mais os empresários que fazem pressão para que haja uma retoma económica. Cada região é gerida por uma Prefeitura, a qual tem autoridade para tomar certas decisões. No Veneto, região onde vivo, mais de metade das grandes empresas e indústrias reabriram. Em Veneza, Verona, Vicenza, Treviso ou Padova são muitos os que regressaram ao trabalho progressivamente, após as importantes férias da Páscoa. O país ficará marcado para sempre por uma Semana Santa passada em solitário. Algo que nunca tinha acontecido.

A Pasquetta celebra-se sempre no dia a seguir ao Domingo de Páscoa e é feriado nacional. Manda a tradição que se façam piqueniques ao ar livre, em parques e matas. Prepara-se tudo com antecedência. São várias as idas às compras para escolher os melhores produtos e longas as horas na cozinha para preparar os pitéus. Aqui faz-se salada Pasqualina com ovos cozidos, camarões e espargos, pasticcio (uma espécie de lasanha), vários tipos de arroz, carne grelhada e fugassa veneta (um doce típico desta época do ano).

Logo de manhã, enchem-se os carros com pessoas e muitas coisas. Quando chegam ao destino, é um espetáculo ver tudo o que sai de dentro dos porta-bagagens. Cestos cheios de comida, mesas e cadeiras desdobráveis, mantas, toalhas, bolas, arcos, fitas e até grelhadores! Uma vez escolhido o melhor sítio começa-se a montagem, com a ajuda de grandes e pequenos. Pode enfim começar um almoço a preceito onde nada falta! Vai-se comendo, bebendo, rindo e fazendo um pouco de algazarra, ou não estivéssemos nós em Itália! No final da refeição organizam-se jogos tradicionais e todos os participantes são aceites, os que já se conhecem de anos anteriores e os recém-chegados.

A Pasquetta é um dia especial, diferente, agradável. A confraternização é saudável e a partilha é constante. Esta festa religiosa e popular é comum a todo o país, havendo algumas variantes. Aqui perto de Verona há uma localidade onde se junta numa mesa gigante tudo o que cada grupo trouxe e depois come-se em conjunto. Na hora da despedida, já se vai combinando o encontro do próximo ano.

Pela primeira vez, não foi assim. O meu marido ficou inconsolável, assim como milhões de Italianos. Em vez da habitual reunião ao ar livre, partilharam-se vídeos nas redes sociais, fizeram-se chamadas telefónicas coletivas, improvisaram-se piqueniques em casa. Até o Papa Francisco celebrou a missa sozinho e Andrea Bocelli cantou numa Milano deserta. Teremos de esperar 2021 para celebrar a Pasquetta como reza a tradição!