Recordações e sugestão

Votei a 25 de Abril de 1975 para a Assembleia Constituinte e era menor de idade. Tinha sido emancipado para tirar a carta de condução. E votei em todas as outras eleições subsequentes: presidenciais, legislativas, locais e europeias. E, também, nos referendos realizados. Sou um cidadão ativo e responsável. Só que me considero ‘dono do…

1. Um familiar meu, José Moreira de Campos, escreveu, a partir da prisão, um bem interessante livro acerca de Afonso de Albuquerque. O seu prefácio é de uma riqueza e simplicidade impressionantes. O seu ‘filósofo’ não sabia ler. Era um dos muitos trabalhadores rurais da Beira Alta. Mas o José Inácio, esse trabalhador de constantes produções nacionais, dizia para não se acreditar «em tudo que vem nos livros. Olhe que o papel não reage: consente tudo quanto lá escrevem’! E daí saibamos, ontem como hoje, que ‘não saber ler é um grande mal; mas ler e não compreender é um mal muito maior’! E neste dia de Abril recordei o José Inácio e as suas lúcidas advertências. Por tudo o que lemos e vemos. Que nos fazem cair na realidade das dolorosas consequências desta pandemia.

2. Sei bem que é tempo de celebrar um momento singular da nossa história. Votei a 25 de Abril de 1975 para a Assembleia Constituinte e era menor de idade. Tinha sido emancipado para tirar a carta de condução. E votei em todas as outras eleições subsequentes: presidenciais, legislativas, locais e europeias. E, também, nos referendos realizados. Sou um cidadão ativo e responsável. Só que me considero ‘dono do meu voto’!

3. Fui Deputado à Assembleia da República e participei, com honra, em duas cerimónias comemorativas do 25 de Abril. Com o seu ritual, a convicção que alguns tinham que a ‘data era deles’ e a de outros que a ‘data era de todos’, do povo pluralmente ali representado. Mas assumindo todos que a liberdade, que se conquistara e consolidara, era o bem mais precioso que importava sublinhar e acarinhar. Até acariciar!

4. Num dos cursos de especialização em que lecionei conheci um homem singular, com uma impressionante história de vida e de uma humildade arrebatante e perturbante: Salgueiro Maia. Pouco lhe ensinei e muito aprendi com ele. Mesmo nos silêncios das suas respostas! Foi um enriquecimento pessoal que jamais esquecerei. Assumo que, com ele e a partir dele, passei a ver Abril, e a sua evolução, com outros ‘olhos’ .

5. E é esse Abril que, ano após ano, e para além dos episódios que o marcam este ano, que respiro e partilho. Não esquecendo o Abril capturado e, também, o recuperado. Do Abril que deu voz a todos e que não pode, a sério, ser a voz de alguns. De um Abril sem donos e sem ‘mestres’. Mesmo que de cerimónias. E estas recordações são, para mim, momentos de vida. E também, ‘perfumes da minha alma’!

6. Deixemos as recordações e vamos a uma simples sugestão. Neste momento já percebemos que a China entrou na exportação de bens essenciais para o possível controlo da pandemia, como por exemplo de máscaras e ventiladores. E já intuímos que há muitos (e muitas) que se estão a ‘aproveitar’ desta situação e são verdadeiros(as) comissionistas das empresas estaduais – são, no fundo, todas estaduais! – chinesas. Cuja certificação, interna, sempre depende do mesmo poder politico!

7. Importa assim criar, entre nós, e com urgência, condições para a certificação interna das máscaras comunitárias (sociais) produzidas, numa reconversão que se regista, pelas empresas nacionais, primacialmente as ligadas ao têxtil. As entidades públicas responsáveis e competentes – desde logo as do nosso Ministério da Saúde e, também, das autoridades europeias – devem criar uma ‘via verde’ para tal certificação. É que precisaremos, acredito, de alguns, largos, milhões de máscaras comunitárias nos próximos meses. E, aqui, é tempo de encorajar e apoiar a produção nacional!

8. Por mim este Abril tem de ser o da produção e, também, o do consumo nacionais! E também do urgente financiamento da nossa economia! Ficam as recordações e aquela humilde sugestão!

por Fernando Seara
Advogado