Entre Casablanca e Azemmour, na floresta de Sidi Abderhaman, no final do Grande Prémio de Marrocos, disputado no circuito de Ain-Diab, John Michael Hawthorn festejava um feito inédito: tornara-se no primeiro inglês campeão do mundo de Fórmula 1. Dia 19 de outubro de 1958. Vencera a última das 11 provas da temporada, deixando o segundo lugar para Stirling Moss, aquele seu compatriota que muitos consideravam o verdadeiro campeão. O ano fora excelente para os pilotos ingleses. Cinco nos cinco primeiros lugares da classificação geral: Mike Hawthorn (42 pontos), Stirling Moss (41), Tony_Brooks (24), Roy Salvadori (15), Peter Collins (14). A Vanwall, escuderia fundada por Tony Vandervell que começara por se dedicar à modificação de motores Ferrari, ganhara o título de construtores, agora com um modelo próprio cuja produção se iniciara três anos antes. Seria a única grande alegria de Stirling Craufurd Moss, natural de West Kensington, Londres – 17 de setembro de 1929. Era a primeira vez que tal prémio era entregue. E Moss tinha contas a ajustar com Enzo Ferrari que o contratara em 1951 para lhe dar , ao contrário do que fora combinado, o lugar de segundo piloto da marca, pondo o melhor carro nas mãos de um compatriota italiano, Piero Taruffi. Stirling nunca esqueceu a pulhice. Se alguma coisa lhe dava prazer, era vencer a Ferrari, fosse em que prova fosse. Isso e guiar depressa. Também pouco lhe importava onde. Em abril de 1960, foi multado em 50 Libras por excesso de velocidade ao volante de um Mini, tendo provocado um acidente que o proibiu de conduzir durante uma ano. Gostam de contar os ingleses que o primeiro polícia que o abordou, perguntou-lhe rudemente: «Who do you think you are? The fuckin’ Stirling Moss».
Voltemos a Marrocos. Hawthorn devia a Moss um vigoroso shake-hands. No dia 24 de agosto, no Circuito da Boavista, no_Porto, tinha sido desqualificado sob a acusação de ter percorrido uma parte da corrida em sentido contrário na tentativa de voltar a pôr o carro a trabalhar após este ter tido uma quebra no motor. Stirling defendeu-o com unhas e dentes: que não, que se limitara a sair da pista para tirar proveito de uma inclinação de forma a recuperar o comando do veículo. Os juízes aceitaram como boa a intervenção e confirmaram o segundo lugar de Hawthorn. Seis pontos fundamentais para um campeonato ganho pela diferença de só um.
Uma questão de estilo
Filho de um dentista, Alfred Moss, Stirling era de ascendência judaica. Na verdade, o seu avô, resolveu trocar o apelido de Moses para Moss quando se instalou numa enorme casa ajardinada na margem sul do Tamisa. Apesar de ter sido vítima de antissemitismo por parte dos colegas nos colégios que frequentou durante a infância – a Shrewsbury House School e o Haileybury and Imperial Service College -desde muito novo que se destacou por uma questão de estilo. Era um dândi. De requintada educação. A rivalidade cavalheiresca que manteve durante anos com o argentino Juan Manuel Fangio ficou para a história do desporto como um exemplo de fair-play.
Nunca cumpriu o sonho de ser campeão do mundo de Fórmula 1, apesar de ter disputado dez edições da competição. Com a Mercedes, a Maserati e a Vanwall somou quatro segundos lugares consecutivos – 1955, 1956, 1957 e 1958. Juntou-lhes mais três terceiros de enfiada com a BRM e a Lotus – 1959, 1960 e 1961. Muitos consideram-no o primeiro verdadeiro profissional do automobilismo, juntando às suas impressionantes capacidades de condução a uma gestão rigorosa da carreira e do dinheiro que ganhou. Em 1955, a sua vitória nas Mile Miglie, a célebre prova de longa distância disputada em Itália num percurso em forma de 8, ligando Bréscia a Roma num total de 1600 quilómetros, atirou-o definitivamente para a lenda. Num Mercedes 300SLR, tendo como copiloto o jornalista Denis Jenkinson que lhe ia dando indicações a todo o momento, completou o percurso em dez horas e sete minutos e quarenta e oito segundos, a uma velocidade média de 157,650 quilómetros por hora, batendo Fangio, que conduzia um carro idêntico, por mais de meia hora. Dois anos mais tarde, as Mile Miglie foram banidas do calendário automobilístico por causa de dois acidentes terríveis, um dos quais ceifou a vida de nove espetadores – cinco eram crianças. O recorde de Moss eternizou-se.
Stirling nunca disse verdadeiramente adeus aos carros se não esta semana, quando faleceu em sua casa em_Mayfair, Londres, no dia 12, com 90 anos, vítima de uma doença que o afastara da vida pública. Em 1962 anunciou a sua retirada, mas de tempos a tempos não resistia a participar em uma ou outra prova. Até 2011 quando correu as Le Mans Legends e disse no final: «It’s enough!»
Desde 1958 que se tornara numa figura televisiva o que contribuiu, como se calcula, enormemente para a sua popularidade. John Freeman, um famoso jornalista, político e diplomata britânico, que teve um programa de entrevistas na BBC chamado Face to Face, comentou sobre ele: «I thought before the interview that Moss was a playboy, but in our meeting he showed cold, precise, clinical judgement… a man who could live so close to the edge of death and danger, and trust entirely to his own judgement». Ah! E não fechemos a página sem falar do sentido de humor de Stirling Moss. Que entrou alegremente no filme de James Bond, Casino_Royale, de 1967, interpretando um papel que lhe coube como uma luva: de chofer…