Esta é uma história verídica, vivida pelo seu autor, embora alguns factos sejam ficcionados, simplesmente no intuito de conferir maior colorido à narrativa.
Lisboa, dia 25 de Abril de 2022
Sentado à mesa do café, nesta manhã calma, levemente enevoada e fresca, como naquela com cheiro a cravos, pouso os dedos no teclado do laptop e procuro vislumbrar na grande superfície espelhada, que dá profundidade à sala, os sinais de como se passaram os dois últimos anos…
Lembro-me que tudo começou no Inverno frio de 2020, com a chegada de notícias dramáticas da China sobre um tal novo coronavírus, que sacudiu a vida em Wuhan e se transformou numa ameaça global. Tardou o reconhecimento de que a covid-19 galopava para uma pandemia, como nenhum de nós tinha memória, mas o contágio fez a sua curva ascendente e não demorou a instalar-se na Europa, com o seu cortejo de medo, sofrimento e morte.
O povo português foi sábio: antecipou a tragédia sem ser tomado pelo pânico. Seguiu as orientações das autoridades de saúde, confinou-se em casa e respeitou os deveres de proteção determinados pelo estado de emergência. Deu prova de resiliência, com dor e sem queixume.
A frente de batalha transferiu-se para o meio hospitalar, onde os profissionais provaram a sua vocação na luta heroica pela vida, embora a morte lhes tenha ganho por vezes, pois o combate era desigual ‒ a idade e a comorbilidade ditavam o vencedor. A crise sanitária foi um tempo negro, sem espaço para o luto.
O pior passou, mas o sol não brilhou como antes, porque os efeitos da brusca interrupção, da quarentena, do fecho de fronteiras, projetaram-se na economia e tiveram um impacto social avassalador, traduzido em perda de rendimentos, layoff, desemprego, falência de empresas. Quando tudo parecia azul, o risco pandémico uniu-se à hiperglobalização e, sem aviso nem piedade, formaram a tempestade perfeita.
O cenário disruptivo deixou os aviões no chão, eclipsou o turismo e seus serviços, proibiu os espetáculos desportivos, paralisou as indústrias culturais. A volatilidade apoderou-se do mundo. A União Europeia vacilou, mas encontrou o caminho da colaboração. As autocracias tenderam a sobrepor-se à democracia. O liberalismo cedeu perante o Estado. O populismo desvaneceu-se. A recessão tornou-se o novo normal e os mais carenciados as suas maiores vítimas.
Fim da história? Não. Derrotados são os que desistem de lutar. E os portugueses, que ainda tinham vivas as cicatrizes do sacrifício e da austeridade, não viraram a cara. Ganharam confiança com a vacina anti-covid-19, reinventaram-se e reinventaram as organizações e os processos de trabalho. Na adversidade, adaptaram-se, foram solidários, desvendaram novos negócios. Aceleraram a retoma.
Como nunca antes, a digitalização abriu perspetivas para desmaterializar processos, trabalhar à distância, aprender e formar através de canais digitais, gerir a produção pela automação. Tornou-se vulgar aceder, contactar, colaborar, negociar e vender em modo remoto.
A descarbonização avançou com as novas formas de mobilidade, o investimento público na ferrovia, a redução drástica do tráfego mais poluente, o incremento das energias renováveis, a circularidade e a colaboração entre empresas.
As ciências da vida ganharam prioridade com a aposta na investigação e na segurança, o reforço do investimento nos equipamentos hospitalares e nos cuidados de saúde, e os avanços na telemedicina. Afinal, a nova revolução industrial já rondava a porta…
O setor financeiro e segurador fomentou o relançamento das empresas com falta de liquidez e ajudou os particulares, concedendo moratórias nos créditos ao consumo e à habitação. E se os portugueses tinham vivido dois meses sem dinheiro vivo, esse impulso foi determinante para a transformação tecnológica do próprio sistema bancário.
Novas oportunidades se abriram, com a reconversão de negócios e de empresas, com a tendência in-shore e de auto-suficiência energética e agrícola, que se instalou a Ocidente.
A esperança venceu a incerteza e recordo, com orgulho, a atuação da Associação Mutualista Montepio e do seu grupo de empresas nos momentos mais difíceis, em que a solidariedade e o auxílio material foram essenciais para manter a coesão social.
Reparo agora que já tenho pouca carga na bateria, tenho de terminar. Até porque já vejo pessoas a dirigirem-me um olhar reprovador: estou a ocupar uma mesa e já é hora de almoço. Rui, por favor, a minha conta. Afinal, correu bem…
Virgílio Boavista Lima, Presidente do Grupo Montepio