A nódoa não diminuiu ‘o dia inicial inteiro e limpo’ de Sophia, mas ficou a manchar a Revolução dos cravos, no que é a pior faceta dos portugueses: uma mescla de inveja, pusilanimidade e oportunismo, cujo reverso é a baixeza de quem instrumentaliza as humanas fraquezas. Salazar fê-lo, o Dr. Cunhal copiou-o.
António e José, nascidos numa família remediada, tiveram destinos opostos. O primeiro fez a quarta classe com distinção, mas amuou quando os pais lhe disseram que teria de seguir pela escola comercial. Achava-se superior aos colegas que rumaram ao liceu, fez o curso de má vontade e, quando chegou a hora, encaixou-se num ministério qualquer, a ruminar os ressentimentos… e a lamentar as oportunidades perdidas. A mãe dizia que o filho não tinha tido sorte na vida.
Em 1974, tomou-se de fervores revolucionários: fez-se sindicalista e protagonista de greves, manif’s e ocupações. No ministério, liderou o saneamento dos chefes… que tinham sido nomeados pelos fascistas.
Sem um mínimo de escrúpulos, a esquerda do PREC acolheu e usou os Antónios ressabiados, os informadores da PIDE e os operários da indústria, à medida que as empresas iam sendo ocupadas e desmanteladas.
Dizem que o Dr. Cunhal foi um grande líder. Discordo. Na categoria dos grandes líderes, distingo as pessoas que arrastam multidões sem nunca incitarem à violência, como Gandhi, Martin Luther King ou Mandela e, à nossa escala, Mário Soares. Os outros, foram tiranos sanguinários, como Estaline e Mao, ou demagogos criminosos, como Hitler e Mussolini.
Um grande líder seria incapaz de destruir as indústrias para provocar desemprego e pescar militantes; teria percebido o bluff dos milhares que marchavam na Avenida da Liberdade, sucessivamente vestidos de metalúrgicos, de trabalhadores agrícolas e de SUVs; não teria fomentado o cerco à Constituinte, nem o golpe do 25 de novembro, do qual saiu de gatas. Das qualidades atribuídas ao Dr. Cunhal pelos indefetíveis, só reconheço a coerência, mas a má coerência, que o levou a manter-se fiel à ala estalinista do PCUS e a desprezar os interesses de Portugal e dos portugueses.
Voltando ao nosso António, quando foi obrigado a regressar ao ministério, encontrou novas chefias, na sua opinião produto de favorecimentos e cunhas. De novo revoltado, enveredou pela técnica das baixas sucessivas, a pretexto de uma qualquer depressão que lhe deu a reforma aos 47 anos.
Já o irmão, dois anos mais novo, viu no curso comercial a possibilidade de escapar ao destino dos pobres. Estudante-trabalhador, fez o Instituto Comercial, depois, Económicas, e entrou para um banco onde, em 1975, já diretor, foi saneado… por ter sido nomeado pelos fascistas. Quando o país normalizou, recuperou as funções de direção, a seguir de administração, e passou a sustentar o irmão, os filhos e os netos deste… porque o António, coitado, não teve sorte na vida!
Aos 80 anos, José continua a sustentar António… que continua a sua cruzada contra os ricos e os privilegiados.