Nestas últimas semanas, muitas figuras públicas, dos mais variados quadrantes, têm expressado publicamente a sua opinião sobre o problema que, pelos piores motivos, conseguiu tornar-se o tema central e exclusivo da nossa vida.
Contudo, não deve haver ninguém, independentemente do seu ponto de vista ou da sua formação profissional, que não acabe por chegar à mesma conclusão: nada voltará a ser como dantes. Os nossos hábitos, a maneira de estar na vida, o exercício da profissão, a expressão dos afetos, a forma de nos relacionarmos uns com os outros, tudo isso vai ser alterado e poderá mudar o estilo de vida das pessoas.
No presente, já nos sentimos motivados a usar máscaras quando saímos de casa, já aceitamos ter de ficar na fila à entrada dos estabelecimentos comerciais, já vamos convivendo com a desinfeção das mãos após contacto com o dinheiro, já não estranhamos medirem-nos a temperatura à porta de algumas instituições. E a lavagem das mãos com frequência – dever que até aqui nem toda a gente cumpria – já faz parte da nossa rotina diária.
O novo coronavírus é o grande responsável por toda uma vida nova que temos pela frente e à qual nos devemos adaptar numa dinâmica de mudança. Sem falar já na crise económica que se adivinha, de consequências terríveis para todos, este agente invisível que paralisou o mundo veio mudar as nossas vidas.
Concentrando-me na minha área profissional, o que não dizer do problema, arrastado há muitos anos sem solução, que consistia na ida dos doentes às urgências hospitalares? Quantas vezes não denunciei aqui essa situação, alertando para a necessidade de separarem as verdadeiras emergências (atendidas exclusivamente nos serviços hospitalares próprios) das consultas urgentes a que muitos lá recorriam pela falta de resposta dos cuidados primários? Foi preciso chegar esta calamidade para se passar a adotar o procedimento correto e adequado, distribuindo doentes e profissionais em zonas distintas – como já devia ter sido feito há muito tempo!
E os centros de saúde? Locais por excelência destinados à prevenção e ultimamente transformados em empresas para fabricar números, viram-se de repente obrigados a trabalhar em equipa, de olhos postos apenas no doente, colocando de lado as orientações que os levaram a funcionar de modo diferente.
Foi esse novo agente destruidor que ditou uma alteração nas regras existentes, não se podendo, de momento, prever como será o futuro. Oxalá esta nova forma de trabalho centralizada no doente não se perca, e estas unidades de saúde voltem de novo à missão para a qual foram criadas.
Os doentes. assustados com este cenário de guerra que estamos a viver, afastaram-se em grande número e deixou de se ver o triste espetáculo das filas à porta da entrada do centro de saúde para arranjar uma consulta.
E porquê? Já não há doenças sem ser a covid-19? Não. Esta é a prova evidente de que uma grande parte da população que lá recorria não tinha indicação clínica que o justificasse. Mais uma vez, foi este tenebroso vírus a comprovar a realidade.
É bom que os utentes aprendam a gerir corretamente a sua saúde, evitando desleixos, mas utilizando estes serviços com critério e bom senso. Só uma boa articulação médico-doente poderá contribuir para equilibrar essa gestão.
Finalmente, o Estado tem de perceber que pode rentabilizar melhor os recursos humanos disponíveis. Muitos médicos não se importariam de prolongar a sua atividade para lá da idade legal da reforma desde que recolocados noutras funções e com outras condições de trabalho. Não se pode exigir a um médico reformado ou em final de carreira o mesmo que se espera de outro em início de funções. A resposta positiva de tantos clínicos reformados ao apelo do bastonário para acudir à crise é um bom indicador. Assim o Estado queira explorar esta vertente.
Termino com um apelo: não deitemos tudo a perder com o levantamento intempestivo das medidas de contenção.
Os sacrifícios exigidos aos portugueses podem não servir para nada se a tendência for passar do oito para o oitenta. Tudo aquilo que conseguimos à custa de tanto sofrimento deve ser posto a render a nosso favor.
Citando Marcel Proust, «só nos curamos de um sofrimento depois de o haver suportado até ao fim». E, neste caso concreto, o fim não deverá chegar enquanto não aparecer uma vacina. O que não seria para todos nós se houvesse um novo pico no inverno, juntamente com a epidemia da gripe sazonal?
Muita coisa este novo vírus nos tem ensinado; mas mesmo assim ainda subsiste a dúvida: com tantos sinais e avisos, será que aprendemos bem a lição?