‘Bella Ciao’

ão sabemos quando será possível regressar ao restaurante e nem sequer tomar um cappucino numa esplanada, por isso, a festa faz-se em casa. O meu marido põe música a tocar e veste-se a preceito. Eu escolho o vestido mais elegante, tiro os óculos e dou um pouco de cor à minha cara. Depois, encomendamos uma…

por Joana Moreira da Cruz
 

Não é só Portugal que tem um 25 de Abril. Em Itália esta data é muito importante e também corresponde a um feriado nacional. O motivo é mais antigo e o ‘Giorno della Liberazione’ é festejado com pompa e circunstância. Este ano, comemoram-se os 75 anos da saída das tropas nazi-fascistas de Benito Mussolini. A 25 de Abril de 1945 as cidades de Milano e Torino foram libertadas. Talvez nem toda a gente saiba que uma das mais famosas canções italianas intitulada Bella Ciao relata exatamente o fim da ocupação alemã, tornando-se um hino de liberdade. Mais de sete décadas sem guerra que não puderam ser celebradas devido à covid-19. Quase tudo está em suspenso à espera que a quarentena termine.

E aqui em casa não somos exceção! Mudámos de apartamento pouco antes de entrarmos em isolamento, mas só gora, com tempo e vagar, vamos conhecendo os vizinhos. Por baixo mora um casal com dois filhos. Ouvimos, às vezes, as birras de uma criança e a mãe a ralhar. Ontem, cruzei-me com elas nas escadas e a mãe disse-me :

– Desculpe o barulho, mas a minha filha é terrível para comer. Já não sei o que fazer !

Eu respondi :

– Compreendo perfeitamente.

Se você soubesse como eu era ! E se experimentasse pôr música a tocar? As crianças gostam e talvez assim a sua filha consiga comer melhor. Desde que começou a quarentena a minha casa virou discoteca! Ouvimos música italiana, alegre, várias vezes ao dia e dançamos até não podermos mais. Eu danço desde que acordo até que me deito.

No apartamento ao lado do nosso vive um casal com um filho. Há dias ouvimos uma zaragata tremenda com choros, bater de portas e outros objetos. Violência doméstica, pensei eu. Quis ligar ao serviço de emergência às vítimas, mas o meu marido disse que era um ato isolado, provavelmente motivado por tantas semanas de confinamento. Mas eu sou lá mulher de ficar de braços cruzados? Se voltar a acontecer um episódio semelhante, não escapa. Ligo a pedir ajuda. Está decidido!

Desde pequena que não me fico, levo tudo à frente. Sou do tipo padeira de Aljubarrota. Ou não tivesse eu sangue Lusitano! Foi assim quando fui buscar o carro à oficina e também num dos almoços de família, pouco antes do decreto oficial do isolamento. Parece que estávamos a adivinhar…

Restaurante requintado, bom serviço e mesa comprida para 19 pessoas. No final da refeição, trouxeram a conta e os meus dois cunhados empenharam-se em calcular o valor correspondente a cada pessoa. Dividiram o total por 19, sem sequer verificarem o número de parcelas. Eu, que nunca me fico, verifiquei parcela por parcela e dei-me conta de vários erros: duas entradas que não tínhamos pedido e uma sobremesa a mais.

Alguns dos familiares estavam já de notinhas na mão, outros preparavam os cartões enquanto o responsável do restaurante não conseguia esconder um sorriso malicioso. De repente, eu gritei:

– Alto! Ninguém paga porque a conta não está correta!

No final, disseram todos, quase em uníssono:

– Brava! (palavra Italiana muito utilizada que equivale a ‘boa!’).

Não sabemos quando será possível regressar ao restaurante e nem sequer tomar um cappucino numa esplanada, por isso, a festa faz-se em casa. O meu marido põe música a tocar e veste-se a preceito. Eu escolho o vestido mais elegante, tiro os óculos e dou um pouco de cor à minha cara. Depois, encomendamos uma ‘vera pizza napoletana’ e desfrutamos como se estivéssemos em Veneza, uma das mais belas cidades do mundo. Tão perto e tão longe.