Uma crise institucional no meio de uma pandemia, com o ritmo de contágio de covid-19 a subir para níveis preocupantes e o país a ascender na hierarquia dos que têm mais casos confirmados, uma sociedade dividida sobre as medidas de confinamento, ministros com pastas-chave a saírem do Executivo e uma investigação para apurar se o Presidente incorreu em ações corruptas e se obstruiu à justiça. No meio disto tudo, Jair Bolsonaro nunca esteve numa posição tão frágil desde que foi eleito.
Os últimos dias foram insólitos, mas a conferência de imprensa de Sérgio Moro foi ainda mais. O ministro demissionário da Justiça, popular ex-juiz do caso Lava Jato e um poderoso membro do Governo, demitiu-se em protesto por o Presidente ter exonerado o diretor da Polícia Federal, acusando-o de querer interferir politicamente em processos judiciais e de ter nomeado alguém da sua confiança que lhe desse acesso a informações sobre investigações em curso – dois dos filhos de Bolsonaro estão sob investigação, assim como aliados políticos seus. O ex-ministro não estava a par da decisão e alegou ter sido surpreendido com a publicação do Diário Oficial, onde aparecia a sua assinatura sem a sua autorização. Alexandre Ramagem foi o eleito para o comando da polícia brasileira. Moro chegou mesmo a enviar alegadas mensagens de Bolsonaro ao Jornal Nacional, o mais popular jornal da noite no Brasil, para provar a insistência do Presidente em ter acesso aos casos, pondo alguém da sua confiança no topo da hierarquia da Polícia Federal.
O Supremo Tribunal Federal aprovou a abertura de um inquérito, por um período de 60 dias, para apurar a veracidade das declarações de Moro e se Bolsonaro incorreu em ações corruptas e de obstrução à justiça. Perante esta crise política, a nomeação de Ramagem – a quem a Folha de São Paulo se refere como «amigo do clã Bolsonaro» – foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal e Bolsonaro revogou-a. Mas não a «engoliu», como o próprio disse, e apelidou a decisão como uma política de «canetada», reclamando não ter gostado ter sido desrespeitado pelo Supremo, segundo a Folha de São Paulo. Também disse respeitar a Constituição e «que tudo tem um limite».
Infeções aumentam a pique
O mundo tem estado com os olhos postos no Presidente brasileiro e na sua gestão controversa da crise pandémica, que acabou com a demissão do ministro da Saúde. Uma disputa pública que dividiu a sociedade brasileira sobre o assunto: 52% dos brasileiros são a favor do «isolamento social amplo»; 46% são a favor do retorno ao trabalho de pessoas fora do grupo de risco, concluiu um inquérito da Datafolha – no início de abril, apenas 37% dos entrevistados apoiavam o retorno ao emprego dos que não se encontravam no grupo de risco.
Uma fragmentação da sociedade brasileira perigosa, quando a curva de contágio por covid-19 trepa sem sinais de estar perto do topo da montanha. O país sul-americano tinha 25300 casos confirmados no dia 14 de abril. Nesta sexta-feira, o Brasil caminhava para os 80 mil.