Quando Trump se candidatou à presidência dos EUA, em 2016, prometeu que ia trazer de volta para o país os empregos da indústria que tinham voado para a China. Na altura, a revista Economist alertava que os empregos não tinham voado para a China, tinham desaparecido. Em 2017, por 700 empregos que o Presidente criava em protocolos com a Ford, desapareciam 3000 na General Motors. O que se estava a passar não era apenas a deslocalização de indústrias para a China, era a alteração da quantidade de pessoas necessárias no setor da indústria. Mesmo se as indústrias voltassem, estariam cheias de máquinas e vazias de pessoas. No entanto, esta alteração da estrutura do emprego adquiriu um peso político determinante. Trump ganhou com os votos dos mais afetados pelo desemprego industrial que se sentiam a ficar para trás sem ter quem os ouvisse.
Hoje, o desenvolvimento das capacidades da Inteligência Artificial transporta esta realidade muito além do setor da indústria. A Amazon, gigante global da venda on-line, tem armazéns com mais máquinas do que pessoas, e investe milhões em investigação para criar ainda mais máquinas para substituir, na logística, humanos. Até no setor da construção civil, habitual recurso para absorver o desemprego, já se testa o estaleiro sem pessoas, com projetos que passam do ambiente virtual para o terreno por impressão 3-D ou construção com drones.
Repetem-nos os mais otimistas que não temos de nos preocupar com os empregos que se perdem com a transformação digital porque existirão, no futuro, empregos novos que hoje nem imaginamos. São palavras sábias que, no entanto, oferecem pouco conforto a quem está, hoje, em situação de desemprego.
Falam-nos da necessidade de aprendizagem ao longo da vida, dotando trabalhadores dos conhecimentos básicos de programação. No entanto, o sucesso depende da inclinação natural das pessoas para ganharem autonomia de aprendizagem. Se ficarem apenas capazes de reproduzir tarefas básicas, arriscam-se a aprender o que rapidamente será substituído por computação.
Para assegurar a equidade contributiva entre as empresas que asseguram postos de trabalho e as empresas que só dependem de máquinas, Bill Gates avançou com a possibilidade de se cobrarem impostos de trabalho por máquina, além da atual cobrança por trabalhador.
Mark Zuckerberg, criador do Facebook, sugeriu que deste excedente contributivo poderia nascer o Rendimento Básico Incondicional (RBI), um salário mínimo garantido universalmente. O RBI, anunciado, hoje, por Espanha como resposta ao desemprego, tem sido debatido em diversos fóruns políticos, estando até incluído numa moção aprovada por maioria no último congresso do PSD. No entanto, há poucos dados capazes de aferir o impacto de garantir rendimentos sem contrapartidas numa economia como a nossa, sem os gigantes globais digitais dos EUA.
Neste futuro incerto que a pandemia nos apresenta, um passo intermédio poderia passar por dotar os cuidadores de RBI. São pessoas que trabalham muito, sem receber nada, para garantir o bem-estar dos seus pais, ou dos seus filhos, prestando tanto um apoio considerável aos seus, como um serviço inegável à sociedade.
Os afetos são o último reduto do talento humano. Não são, ainda, possíveis de substituir por máquinas. Dotar de valor económico o que hoje não o tem, pode anunciar um caminho capaz de aliar equidade a desenvolvimento onde ninguém fica para trás.