No dia em que existiam 1668 infetados por covid-19 em Lisboa, 178 destes infetados, cerca de 10% do total, eram pessoas requerentes de asilo que estavam a cargo do Governo.
Os requerentes de asilo são pessoas que pedem asilo à chegada ao país e aguardam pela resposta final do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) em alojamentos providenciados pelo Governo. Pelo art.º 61 da Lei do Asilo, a competência de garantir um alojamento digno enquanto aguardam durante meses é, especificamente, do ministro da Administração Interna.
Assim, o ministro Eduardo Cabrita, veio ao Parlamento onde foi questionado sobre a situação em que viviam os requerentes de asilo, a seu cargo, no Hostel Aykibom, na Almirante Reis. Este hostel albergava 169 dos requerentes de asilo, um quinto do total, concentrados num único edifício oficialmente registado no Registo de Alojamento Local, em 2018 (n.º 82016/AL), com 36 quartos e capacidade para 210 camas, numa proporção oficial declarada de 5 a 6 pessoas por quarto.
O ministro considerou que, apesar destas pessoas passarem o dia em casa, ficarem meses à espera de resposta do SEF, e de não falarem a mesma língua, poderiam ser acolhidas num hostel, uma tipologia que, disse, «tem características específicas num contexto de normalidade e que tem, num contexto desta pandemia condições, que não serão razoáveis».
No nosso país, o decreto-lei que determina as condições mínimas de normalidade de habitação é o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU). Este Regulamento foi definido, em 1951, por pessoas que, muito antes do covid-19, sabiam que a falta de salubridade estava diretamente relacionada com a sobrelotação. Assim, definiram, como limite de ocupação máxima por quarto, 2 adultos.
Considerando o Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local que delimita as regras para todos os tipos de alojamento local, verifica-se que a capacidade de dois adultos por quarto manteve-se, ainda nesta lei, para todas as tipologias, acrescida da possibilidade de acrescentar camas para crianças. Apesar da Lei 62/2018 adiantar que, para o hostel, será publicada uma Portaria própria, esta nunca chegou a sair
Que o nosso ministro não saiba o que sabiam os autores da lei de 1951, é uma tristeza. Que o Governo da nação destine dinheiro dos contribuintes, uns (estimados) 25 mil euros por mês a um único hostel (considerando valores da zona de 150 euros/cama por mês) para ter as pessoas albergadas em situações que não são dignas à luz da nossa legislação das condições mínimas de habitabilidade, é inaceitável.
Incomoda a calma com que o ministro explica tudo sem assumir, nem identificar, qualquer falha, apontando culpas para o covid-19, afirmando até orgulho em receber estes requerentes. Orgulho que todos teríamos se não fosse a incapacidade gritante do Governo em receber as pessoas com condições de dignidade para os próprios e segurança para a cidade. Assim, a verdade é que o covid-19 se instalou na Almirante Reis precisamente pela falta de condições que lhe antecederam. Se queremos saúde na nossa cidade temos de parar de alimentar tipologias fora-da-lei.