Chegámos ao mês de Maio, o mês das flores, o mês das mães. No passado domingo celebrámos o Dia da Mãe, que este ano me tocou mais profundamente: foi o primeiro ano sem a minha mãe, que partiu há quase seis meses.
Por isso, este artigo, que dedico à sua memória, é também uma homenagem às mães desta terra, apesar de, para nós, crentes, existir Outra que lá em cima nos vai acompanhando em todos os momentos da vida.
A mãe é uma referência para toda a gente – e mesmo aqueles que já não podem contar com ela neste mundo, como é o meu caso, sentem a sua presença no dia-a-dia. A amparar-nos no caminho e a conduzir-nos os passos.
O episódio que hoje venho partilhar recorda uma das suas passagens por esta vida como mãe extremosa, benemérita, professora dedicada e amiga do coração, valores que sempre cultivou deixando raízes e o toque indisfarçável da sua maneira de ser.
Durante a semana, tanto eu como o meu irmão, ambos médicos, não tínhamos grande possibilidade de ir visitá-la a Setúbal, onde residia; mas aos fins de semana era raro não aparecermos. Regra geral eu ia aos sábados, logo pela manhã, e o meu irmão procurava outras horas para que ela não estivesse muito tempo sozinha.
Numa dessas manhãs de sábado – lembro-me como se tivesse sido ontem – fomos de carro até à praia da Figueirinha. O percurso é lindíssimo: passando pela praia de Albarquel, pelo Palácio da Comenda, pelo Forte do Outão, percorrendo uma estrada ladeada por uma vegetação muito característica, como se estivéssemos a atravessar um jardim.
Prestes a chegarmos ao destino, avistámos do alto a tão famosa praia da Figueirinha, com a sua localização peculiar, entalada entre a serra e o mar. O azul das águas calmas e cristalinas contrastando com o verde da vegetação, Troia diante dos olhos e, mais ao fundo, o Portinho da Arrábida, compõem um cenário de invulgar encanto.
Quem não quiser entrar no areal pode optar por caminhar a pé, num terreno enorme e bem aproveitado, passando pelo único restaurante virado para o oceano, onde o peixe fresco e outros frutos do mar fazem as delícias dos veraneantes.
Parei o carro, abri as janelas e liguei o rádio. Passava uma música de Pedro Abrunhosa: Quero Voltar Para os Braços da Minha Mãe. De repente, a minha mãe reagiu: «Gosto imenso desta música. É uma das minhas favoritas. O seu autor é uma pessoa culta, inteligente, que sabe jogar muito bem com as palavras. Presta atenção: ‘Quero ir para casa/embarcar num golpe de asa/pisar a terra em brasa/que a noite já aí vem/quero voltar para os braços da minha mãe’».
O cheiro a maresia e a serra entravam pelo carro dentro e a letra da canção parecia acompanhar aquele momento mágico. «Trouxe um pouco da terra/cheira a pinheiro e a serra/voam pombas no beiral…».
Lá fora, outros filhos com idênticas funções amparavam as suas mães em caminhadas a pé. Olhando para eles, a minha mãe adiantou: «Tenho muita consideração pelos filhos que são assim. É extraordinário». E a seguir, vendo uma criança a brincar, saiu do carro, meteu conversa, como era seu hábito, e perguntou-lhe como ia a escola. Um sorriso nos lábios, uma festa no garoto e, agarrada à minha mão, partimos para o nosso passeio à beira-mar, recordando com orgulho a sua obra social na cidade e o que ensinara aos alunos no seu tempo de professora.
Daqui saliento dois aspetos importantes: andar a pé e o acompanhamento aos pais na velhice.
A prática regular de exercício físico é essencial, e o andar a pé pode ser uma boa solução.
Amparar os pais na velhice é uma tarefa nem sempre fácil para muitos filhos. Nas consultas fico com essa sensação, quando vejo pessoas idosas sozinhas, abandonadas à sua sorte e a terem de entender recomendações e conselhos médicos por vezes difíceis de assimilar. Tudo seria mais fácil se fossem acompanhadas.
Neste contexto, seria desejável haver alguma ‘maleabilidade’ nos horários laborais que permitisse aos filhos acompanhar os pais às consultas.
E por falar em mães, convém ter presente que o nosso país tem uma baixa natalidade, pelo que são precisos incentivos e uma intervenção mais eficaz por parte do Estado nos casos de infertilidade, área onde há ainda um longo caminho a percorrer.
Não voltei mais à Figueirinha. Para a História ficam estes bons momentos que recordo com saudade, a frase que Pedro Abrunhosa escolheu para, naquela peça musical, definir o sentimento.
Por saber que esta era uma das músicas preferidas da minha mãe, também eu me revejo nas emoções do seu autor, destacando igualmente o desejo que já não posso realizar neste mundo: «Quero voltar para os braços da minha mãe!».