Os receios e indecisões em torno da reabertura das creches, a 18 de maio, têm-se tornado cada vez maiores principalmente para os educadores. As normas da Direção-Geral de Saúde (DGS) já foram divulgadas, com o objetivo de facilitar o regresso das crianças, mas há quem peça, desde já, que não se afaste o amor.
Ao SOL, Sofia Pires, educadora de infância em Oliveira do Hospital, diz ser totalmente impraticável aplicar o distanciamento social na faixa etária até aos três anos e relembra que o desenvolvimento das crianças é feito através do afeto e da partilha. «O regresso amedronta-nos. Por mais que estejamos dispostos a cumprir as normas estabelecidas, o trabalho numa creche é muito baseado nos afetos. Andamos uma vida inteira a trabalhar imensamente a parte do amor, que não existe sem contacto. Não há amor só com os olhos. E não peçam para afastar o amor. O amor é ao colo, aos beijinhos. É impossível promover o distanciamento entre o educador e as crianças. Entre as crianças é completamente impraticável», sublinhou, contando que é educadora há 35 anos e que o que também a preocupa é a obrigatoriedade da utilização de máscaras por parte dos educadores.
«No Carnaval, nunca podemos ir mascarados para as creches. Se vestir a fantasia à frente da criança, quando acabo de a vestir ela está a chorar. Têm medo. Agora imagine-se o que é receber a criança com uma máscara. Nenhum bebé vai entender isso. As crianças teriam de deixar de ser crianças para promover o distanciamento», reforçou.
Certo é que as normas que têm de ser cumpridas são claras e, segundo alertou a DGS, é aconselhado garantir uma redução do número de crianças por sala, de forma a que seja maximizado o distanciamento entre as mesmas, e a cada funcionário deve corresponder apenas um grupo. Além disso, nas salas em que as crianças se sentem ou deitem no chão, devem deixar o calçado à entrada. Mas as críticas são evidentes. Idália Guerra, educadora de infância no Centro Social do Sobralinho, em Vila Franca de Xira, diz que estas medidas podem ser prejudiciais para os mais novos.
«Estas regras foram organizadas por quem não entende o mínimo de creches. A própria criança, se vir o educador com máscara, pode chorar. Estamos a tentar que as crianças fiquem nas salas, que os pais façam também o seu trabalho, mas estamos a iniciar esta fase pelo telhado. Deviam começar com os mais velhos», defendeu, reagindo negativamente à reabertura das creches já nesta altura.
Crianças ‘em risco’
O impacto que o distanciamento social pode ter nas crianças até aos três anos é igualmente uma das questões que têm sido levantadas por educadores e também por profissionais da saúde mental. Ao SOL, a psicóloga Ana Rita Dias explicou que, nos primeiros anos de vida, estes impedimentos provocam consequências negativas a longo prazo.
«A privação de coisas tão simples como um bebé estar várias horas numa creche e não conseguir ver a face da educadora ou ser-lhe impedido estar ao colo ou consolado, entre outras coisas, é extremamente importante para que a criança não tenha um desenvolvimento minimamente saudável. E não se está a olhar para isso. Está a haver um foco exclusivo para evitar o contágio», começou por garantir, reforçando que a interação é fundamental.
«Se nós não temos o cuidado de garantir que elas têm o mínimo de contacto físico com outras crianças, isso realmente vai prejudicá-las imenso. E a nossa história já nos provou o que é que acontece às crianças que estão muito isoladas e privadas de afeto. Se estão o dia todo numa creche, não podem estar sozinhas a brincar com determinados objetos só para elas e sem interagir com os colegas. Vai ficar gravado nelas, porque não vão entender que é por causa do vírus. Estão em risco a partir do momento em que se apliquem estas medidas. As crianças não são objetos, têm emoções», concluiu Ana Rita Dias.