As fábricas e empresas abriram quase todas esta semana. O meu marido também retomou a rotina laboral, mas de forma diferente. Não sai de casa sem máscara nem luvas e cruza-se com poucos colegas no local de trabalho. Ele sente-se estranho e ainda não está totalmente adaptado à nova realidade. Em algumas regiões do país, pastelarias, bares e restaurantes também já começam a funcionar, mas só com serviço take away. O desconfinamento em Itália tem sido feito com prudência para evitar o aumento do número de pessoas infetadas com a covid-19.
O Governo está a ultimar o decreto-lei com as próximas medidas acerca da abertura dos cabeleireiros e outro comércio. Ainda há muita confusão e poucas certezas em relação à próxima fase do desconfinamento. Penso que nada vai voltar a ser como era, mas o mais importante é salvaguardar a saúde, física e mental.
Passei a ficar sozinha em casa e tento manter-me ocupada. Recordar momentos agradáveis, rever fotografias e telefonar aos amigos e família ajudam-me a viver, da melhor forma possível, estes momentos conturbados. Aprecio o que tenho, dou valor ao que realmente conta e agradeço tudo o que já vivi. Adoro o país onde vivo e tenho a sorte de ser visitada frequentemente pela minha família que também não resiste à dolce vita. A Itália tem tudo: praias, montanha, diversão, História, cultura, património e boa comida! Que o diga a minha cunhada que chega a deliciar-se com três gelados por dia! E a língua…. ah, a língua é bellissima!
Uma das tantas vezes que a minha mãe veio visitar-me, organizei um passeio de moto com vários casais amigos. Ela conhece a Toscana, onde vivi durante 15 anos, de uma ponta à outra e eu queria mostrar-lhe que a região do Veneto não se resume a Veneza, Verona ou Vicenza. Encontrámo-nos com os nossos amigos à porta de nossa casa. Ficou decidido que a minha mãe iria com o meu marido e eu com uma amiga. Um simples passeio de mota obedece a um rígido protocolo, principalmente se o condutor for italiano! Depois da longa explicação a minha mãe pode, finalmente, alçar a perna e subir para o imponente veículo de duas rodas. Vi no seu rosto excitação, nervosismo e talvez receio. Parecia uma criança!
A estrada pela montanha é de cortar a respiração. O início da primavera torna-a ainda mais bonita e mágica. As cores das flores, o verde das árvores, a água a correr transmitem paz, silêncio, sossego. Tão diferente do habitual bulício. Ao fim de muitas curvas e subidas vertiginosas chegamos à trattoria. Para meu espanto, o meu marido estava pálido e sério. A minha mãe nadava em suor… de tanto medo! O condutor sente tudo e, se o que vai atrás não colabora a viagem pode ser um pesadelo. De repente, percebi que tinha sido uma má ideia.
Jantamos num restaurante que já conhecemos. É todo em madeira, decorado com fotografias antigas, umas da família dos proprietários e outras da região. Tem também objetos agrícolas distribuídos pelas grandes mesas. Um delicioso banquete estava à nossa espera. Bigoli, polenta con baccalà, torta di riso e claro Valpolicella, vinho típico da região. Estive tão entretida durante a refeição que nem sequer reparei que a minha mãe quase não tocou na comida com medo de vomitar no trajeto de regresso a casa.
À saída do restaurante anuncio-lhe:
– Chamamos um táxi.
Pensamos que seria mais prudente. Sem pudor, a minha mãe confessou:
– Ah, se eu soubesse tinha provado tudo o que estava na mesa!