Durante o confinamento, o teletrabalho foi vivenciado de modo muito distinto por cada família, dependendo diretamente da qualidade da arquitetura de cada casa. Quem viveu a pandemia numa casa com jardim e com a possibilidade de exercer as suas tarefas, letivas ou profissionais, isoladamente num quarto, terá tido uma experiência significativamente diferente de quem partilhou um T2 com quatro pessoas, com eventuais humidades ou barulhos permanentes dos vizinhos de cima.
Depois do confinamento, a família do T2 terá começado a imaginar um quotidiano com teletrabalho numa casa maior e com algum espaço exterior. No futuro, caso se venha a multiplicar esta vontade por muitas famílias, o impacto será, acima de tudo, no desenho da cidade, promovendo que as populações se espalhem por mais território com menos densidade.
O modelo urbano de cada família ter uma casa com jardim ligada por transportes a centralidades urbanas capazes de oferecerem serviços comuns eficientes, como hospitais ou centros culturais, é recorrente na história da cidade desde o século XIX. Ebenezer Howard sintetizou-o num livro, em 1898, onde apresentou o modelo para as «cidades-jardins de amanhã».
Desde então, sempre que há uma inovação tecnológica promotora da alteração dos hábitos urbanos de mobilidade ou de comunicação, aparecem anúncios do iminente fim das cidades tal como as conhecemos. Aconteceu com a massificação do automóvel individual no século XX, que prometia a democratização da liberdade de circulação. Aconteceu com a generalização do uso da internet na transição para o século XXI, que prometia a possibilidade de trabalhar em qualquer parte do mundo, gerando uma comunidade de nómadas digitais dependentes apenas de um portátil.
Até à pandemia, a realidade dos factos foi outra. A materialização da cidade de casas isoladas, espalhada pelo território, ofereceu monumentais engarrafamentos, consumindo horas de vida onde prometia liberdade. Os nómadas digitais concluíram que o fator mais relevante para o desenvolvimento de criatividade era a proximidade com outros criativos, levando a uma ainda maior concentração das populações em cidades compactas.
Além disto, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), fixados em 2015 pela ONU, avisam que quanto mais se espalham as populações, maior será a necessidade de consumir recursos. Assim, a Agenda para 2030 passa por impedir o aumento da pegada urbana, reabilitando e compactando as zonas existentes, sejam metrópoles, cidades, vilas ou aldeias.
O novo modelo passa por fundir a cidade-jardim de Howard com a cidade compacta de 2030, oferecendo diferentes modos de vida. Quem quer viver no centro mais denso, onde os serviços ganham com economias de escala, deve ter também o usufruto de algum espaço exterior, seja na varanda, no aproveitamento da cobertura do edifício, ou em espaços verdes públicos de qualidade à porta da rua. Quem pode viver à distância e quer espaço exterior privado, tem um enorme potencial nas cidades médias e vilas envolventes por reabilitar, se estiverem garantidas condições de transporte para deslocações pontuais. Para todos, a arquitetura tem de, por um lado, garantir conforto térmico e acústico e de, por outro lado, introduzir em cada edifício maior autossuficiência em relação às redes comuns, aproveitando a água da chuva, recolhendo a energia do sol, e reciclando resíduos in loco.
Hoje, temos todas as ideias, conhecimento, recursos e ferramentas disponíveis para fazer as melhores cidades-jardins compactas de sempre, levando qualidade de vida a todos, estejam em aldeias, vilas, metrópoles ou nas cidades.