Numa altura em que o Governo britânico vai preparando o retorno à normalidade, o conselheiro e braço direito do primeiro-ministro Boris Johnson, Dominic Cummings, está sob fogo de vários setores da sociedade britânica depois de ter alegadamente quebrado as regras de confinamento e o seu caso está fazer a correr muita tinta nas páginas dos jornais internacionais. Até deputados do Partido Conservador exigem a demissão do “mastermind do Brexit”.
Cummings não é de falar publicamente, mas é um homem que está frequentemente envolto em polémicas: até um filme já foi feito sobre ele. É visto como o grande responsável pela vitória do “Sim” para o Brexit em 2016, sendo da sua autoria o slogan: “Tomar o controlo de volta”. É também dele o mote de campanha “concretizar o Brexit”, que deu uma grande vitória aos conservadores nas eleições de dezembro do ano passado.
Quando o Governo britânico apelava aos seus cidadãos para ficarem em casa, com rígidas medidas de confinamento em vigor, a mensagem era: “Fique em Casa. Proteja o Serviço Nacional de Saúde. Salve Vidas”. No dia 23 de março, Johnson apelou ao eleitorado britânico para “ficar em casa” e alertou para não se visitar membros familiares ou amigos com quem não partilham a mesma residência.
Nessa altura, o conselheiro do primeiro-ministro deslocou-se para Durham, casa dos seus pais a mais de 400 quilómetros de Londres. A polémica adensa-se pelo facto de Cummings e a sua companheira apresentarem na altura sintomas de covid-19 quando se deslocaram para Durham, quando o seu próprio Governo havia imposto medidas drásticas de quarentena.
Numa conferência de imprensa realizada esta segunda-feira, que está a ser descrita pela imprensa britânica e internacional como extraordinária (até disse ter previsto a pandemia, algo que a BBC pôs em causa), Cummings defendeu as suas ações como “razoáveis” e “legais”. Explicou a sua deslocação para casa dos pais por, na altura, não ter quem cuidasse do filho na eventualidade de ele e a mulher ficarem seriamente doentes.
As instruções do Executivo eram claras quanto ao apelo para não se sair de casa, mas abriam espaço no caso de haver uma criança em causa. “Se tiver crianças, siga as instruções o melhor que puder, no entanto, estamos cientes que nem todas estas medidas serão possíveis” de cumprir, lia-se nas instruções do Ministério de Saúde.
Downing Street mantém-se firme do lado do conselheiro do primeiro-ministro e Cummings não vai apresentar demissão nem se arrepende das suas ações, mas há cada vez um maior número de deputados e políticos tories – além da oposição e outros setores da sociedade britânica, inclusive o eleitorado – a exigirem a sua saída – o subsecretário de Estado para a Escócia demitiu-se em protesto esta terça-feira.
Durante a sua estadia em Durham, no dia de Páscoa, Cummings fez uma excursão a Bernard Castle, a meia centena de quilómetros da localidade onde residem os seus pais. Na conferência de imprensa, alegou fazê-lo para testar a sua visão, que se encontrava turva.
“Para muitos, conduzir 50 quilómetros para com a visão turva e uma criança de quatro anos atrás pode não ser considerado razoável. Mas, aparentemente, não para Dominic Cummings”, escreveu o Libération, entre muitos jornais internacionais que se mostraram indignados com a conferência de imprensa do ideólogo do Brexit: El País, Le Monde e De Welt foram outros meios de comunicação de referência a criticá-lo esta terça-feira.
O Reino Unido foi um dos países mais afetados pela pandemia, mas esta polémica ofuscou a atualização do guia de segurança de 51 páginas do Governo para o desconfinamento. Boris Johnson traçou uma estratégia repartida em três fases intitulado “o nosso plano de reconstrução”, onde se traçam, por exemplo, várias linhas para a reabertura da maior parte do comércio não essencial e das escolas, a partir de junho. Neste salta à vista a admissão, por parte do chefe de Downing Street, que uma vacina para o coronavírus poderá nunca ser encontrada, antevendo uma longa batalha contra a doença.