O estado de emergência terminou. Para muita gente (quem sabe se para a maioria da população) isso significa o princípio do regresso à normalidade possível, após longo tempo de confinamento, consequência desta pandemia devastadora que abalou o mundo.
À medida que o tempo ia passando, as pessoas – cada vez mais desesperadas por não poderem sair de casa – já pouca importância davam à evolução epidemiológica da covid-19, e a principal preocupação era saberem quando poderiam retomar a vida de todos os dias.
Curiosamente, quando nada de anormal acontece e vivemos a rotina do dia-a-dia, nunca damos importância ao valor nem à riqueza daquilo que temos, por o considerarmos tão natural que é impossível destruí-lo. Mas, citando o Papa Francisco, «a tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades».
Entrámos agora noutra fase, designada de calamidade, mas de uma crucial importância. Vamos ver o resultado do nosso comportamento perante o início do regresso à ‘liberdade condicional’ que nos é dada através das diversas fases de desconfinamento, superiormente definidas. O nosso primeiro-ministro – que, em minha opinião, tem conduzido este processo com prudência e exemplar bom senso – foi bem claro quando nos preveniu: «Se isto correr mal, damos um passo atrás», recomendação essa acolhida pelos portugueses de diferentes maneiras.
Uns seguem à risca as normas impostas pelas autoridades, outros são mais ‘liberais’ a interpretá-las e há quem esteja sempre pronto a descobrir eventuais falhas aqui e ali, encontrando logo violações ou erros na sua aplicação do ponto de vista legal.
Pela minha parte, procuro cumprir o que está determinado – e, como profissional de saúde, tento levar os doentes a fazerem o mesmo, a bem da saúde pública.
Contudo, também não devemos ter a pretensão de ir do oito para o oitenta e vivermos atormentados com este problema, passando da irresponsabilidade ao exagero.
Vem isto a propósito de um doente que me procurou há dias perguntando se podia fazer algo mais para se proteger neste período crítico, para além de seguir à risca as normas anunciadas: «Haverá algum medicamento que possa tomar? Devo fazer mais alguma coisa? O que eu quero é uma proteção total». Expliquei-lhe em pormenor como devia proceder, recordando-lhe, uma vez mais, as regras básicas que a comunicação social (e bem) não pára de nos mostrar; mas quanto à proteção total lembrei-me logo do meu colega (e amigo de longa data) Orlando Martins, conceituado dermatologista e um dos pioneiros da dermatologia cirúrgica no nosso país. Dizia-me ele, com uma certa graça, que ao começar a época balnear era frequente os doentes pedirem-lhe um protetor solar de ecrã total para irem à praia em segurança, ao que ele respondia: «Bom, se pretende mesmo um ecrã total, o melhor que tem a fazer é não ir à praia!». Ou seja, faça-se o que se fizer, se nos fiarmos apenas no produto, por muito bom que ele seja, se não ligarmos aos cuidados óbvios que devem seguir-se, de nada nos servirá a proteção total caso passemos um dia inteiro ao sol.
Neste caso, também se aplicará o mesmo princípio. A proteção total é não sair de casa até aparecer uma vacina… Mas quem poderá (e quererá) fazê-lo?
Se trouxe este assunto para partilhar com todos, é precisamente para alertar que, na fase em que nos encontramos, o mais importante é seguirmos com o maior cuidado tudo aquilo que nos é recomendado e que cada um cumpra o seu dever (lavagem frequente das mãos, manter distanciamento social, usar máscara nos locais públicos, evitar grandes aglomerações). Mais do que isto já não está ao alcance de ninguém. Tal como falar em ‘proteção total’.
Meu caro Dr. Orlando: estava longe de imaginar que um dia o iria citar publicamente, ainda para mais pelo motivo que é. Sem falar no que aprendi consigo e nunca esquecerei, agradeço-lhe em especial esta orientação, que poderá servir em jeito de caricatura para elucidar muita gente não esclarecida.
Nesta hora difícil, todos os pareceres são bem-vindos e a partilha é essencial. Se nos mantivermos unidos, havemos de conseguir. O tempo novo está prestes a chegar.