O calor intenso que se faz sentir no final de maio tem feito com que o risco de incêndio aumente significativamente, tornando-se muito elevado em vários distritos do país na última semana. Mas as preocupações são mais evidentes quando se fala do período crítico de incêndios rurais, que acontece entre 1 de julho e 30 de setembro. E um bom planeamento é fundamental para que não se corram riscos desnecessários, bem como para tornar mais sólida a preparação dos profissionais que vão para o terreno. O reforço de guardas florestais, por exemplo, já está a ser feito, tal como confirmou ao SOL o Ministério da Administração Interna (MAI).
«Realçamos o reforço do dispositivo, este ano, com 155 novos guardas florestais que já estão no terreno. Este foi o primeiro curso de formação de guardas florestais ministrado desde 2004 e representa o renascimento de uma importante função e que se encontrava em risco de desaparecer. A Guarda Nacional Republicana (GNR), que em 2006 integrou esta especialidade, fica assim ainda mais robustecida na sua capacidade de prevenção e de resposta aos incêndios rurais», adiantou o MAI, explicando que a limpeza de terrenos por parte dos proprietários privados, agora alargada até 31 de maio, é também importante para a prevenção dos mesmos.
«Depois disso, a GNR iniciará a fase da fiscalização. Não obstante, tem desenvolvido, tal como nos anos anteriores, um intenso trabalho de sensibilização junto dos proprietários, no âmbito da Operação Floresta Segura 2020», reforçou.
Contactada pelo SOL, a GNRadiantou que a fase de fiscalização tem início no dia 1 de junho, sendo que a prioridade de atuação incide essencialmente nas 1114 freguesias prioritárias. «Até ao momento foram identificadas 23.852 situações em incumprimento, já comunicadas às respetivas autarquias, com maior incidência em Leiria, Castelo Branco, Viseu, Coimbra, Braga, Santarém, Vila Real, Viana do Castelo e Aveiro», indicou a GNR, que sublinhou ainda que foram realizadas 3.572 ações de sensibilização, alcançando mais de 55 mil pessoas. No entanto, o presidente da Liga de Bombeiros Portugueses, Jaime Marta Soares, alerta que, apesar de existir precaução na limpeza dos terrenos, «a prevenção não vai ter resultados práticos em menos de 20 anos».
Doze detidos por atear fogos
Até ao momento, a GNR tem o registo de 12 detidos e 68 identificados pela prática do crime de incêndio florestal só este ano, tendo ainda sido elaborados 370 autos por contraordenação, dos quais um por falta de recuperação de áreas ardidas, 296 em queimas e 73 em queimadas, «por realização não autorizadas ou por negligência na sua execução».
No entanto, para evitar problemas maiores, os meios do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais vão aumentar significativamente em junho. Entre os dias 1 e 30, vão estar no terreno um total de 2.205 equipas – incluindo bombeiros, GNR, PSP, Força Especial de Proteção Civil e Equipas e Brigadas de Sapadores Florestais –, num total previsto de 9.512 operacionais e 2.236 viaturas terrestres. E, entre julho e setembro, meses em que ocorre o período crítico de incêndios rurais, os números sobem para 2.749 equipas, 11.825 operacionais e 2.654 veículos. Em outubro, voltam a descer naturalmente.
Falta de meios aéreos
Quando se aborda o tema dos incêndios fala-se inevitavelmente da importância dos meios aéreos no combate aos fogos. E também da possível falta deles. O PSD, por exemplo, questionou esta semana o Governo na tentativa de perceber quantos meios aéreos existem atualmente no terreno e quantos vão estar disponíveis no período crítico. Nesse sentido, o partido pediu «uma maior transparência e humildade na abordagem» ao plano de combate aos incêndios e revelou que não estão operacionais vários meios aéreos, deixando distritos como «Braga, Portalegre, Setúbal e Beja sem qualquer meio aéreo de combate aos incêndios». Além disso, o PSD diz que «deveriam estar já no terreno três meios aéreos de coordenação, um no distrito de Coimbra, outro no de Portalegre e um terceiro em Viseu que também não estão ainda operacionais», lembrou o partido à tutela. Entre 15 e 31 de maio, refere o partido, e de acordo com os meios previstos, «faltam pelo menos oito helicópteros face à informação divulgada pelo Ministério da Administração Interna».
Ao SOL, Jaime Marta Soares confessou que são cerca de 70 meios aéreos que estão previstos para a fase mais complicada dos incêndios florestais, mas ressalvou que não podem existir situações de incumprimento dos números que já foram divulgados. «Os meios aéreos que estão programados, se estiverem a tempo e horas, são um complemento. Os incêndios não se apagam só com os meios aéreos. São cerca de 70 e seriam os suficientes para dar resposta e apoio às forças de terra. Mas é preciso é que haja todos. Neste momento, penso que faltam sete e essas situações têm de ser evitadas», explicou, dando a entender que este é um dos muitos problemas que têm existido.
Segundo avançou o Jornal de Notícias, o exército português terá comprado 36 drones para vigilância de fogos em 2018, que custaram mais de cinco milhões de euros, mas nunca foram utilizados. E, mesmo assim, o Governo vai investir mais 4,5 milhões de euros em novas máquinas para a Força Aérea. «Há um conjunto de gastos com comissões independentes, observatórios, e de situações onde se gastam milhões de euros cujos resultados palpáveis não se veem em parte alguma. Até porque criaram essas estruturas para ter técnicos e peritos e têm de ir buscá-los aos bombeiros. É ridículo. Para isso há dinheiro, só não há para ajudar aqueles que precisam dele. São coisas absolutamente inacreditáveis», admitiu o presidente da Liga dos Bombeiros.
Dificuldades dos bombeiros
Em tempos de covid-19, os bombeiros têm-se deparado com alguns problemas, nomeadamente na adaptação ao novo coronavírus mas também no que respeita aos custos adicionais a que o vírus obriga. Em jeito de balanço, Jaime Marta Soares adiantou que se vive «numa guerra com duas frentes».
«Este ano deparamo-nos com muito maiores dificuldades que estão subjacentes a que estamos numa guerra com duas frentes de batalha, qual delas a mais difícil. Aprimeira é a covid-19, uma batalha muito complexa. Obriga-nos a cautelas muito especiais naquilo que é o combate aos incêndios florestais. Temos muita formação, fomos muito cuidadosos em relação aos planos de contingência e efetivamente estamos a ser em relação a esta época de incêndios. Mas também nos deparamos com uma tremenda dificuldade nos custos acrescidos», disse, salientando que o Estado tem de assumir o pagamento de despesas extras que são estritamente necessárias. «Somos um parceiro de cooperação institucional, mas não temos de substituir o Estado. Nós ajudamos a resolver um problema que compete ao Estado, mas o Estado tem de pagar ou indemnizar as associações à dimensão daquilo que são os seus custos e os seus gastos ou as suas despesas. Mas são variadíssimos problemas. As despesas são muitas e não nos são contabilizadas como nós desejaríamos. O Estado se calhar abusa um pouco da nossa disponibilidade», concluiu Jaime Marta Soares.