Na vénia à ciência, aplaude-se, para além da sabedoria, a simplicidade e a humildade. Desde os gregos clássicos que é assim: quanto maior o saber, maior a simplicidade e a humildade.
Cingindo-nos aos mais conhecidos entre nós, manda o equilíbrio que se citem oito cientistas que primam pela naturalidade, quatro mulheres – Elvira Fortunato, Maria do Carmo Fonseca, Maria Manuel Mota e Maria de Sousa (falecida recentemente) – e quatro homens – Carlos Fiolhais, Carvalho Rodrigues, Pedro Simas e Sobrinho Simões –, todos eles exemplos de admirável clareza, na forma de expor e explicar.
Fora os comunicadores natos, os outros passam tão discretamente que se arriscam a ser secundarizados em debates televisivos em que os moderadores se desviam do cerne das questões para se refugiarem na conversa fiada.
Há pouco mais de um mês, num programa com créditos firmados, um elenco de luxo escalpelizava as incidências da pandemia: um cientista, um militar, um historiador, um psiquiatra e um administrador da Gulbenkian, todos altamente qualificados e respeitadores das falas dos outros. O programa teria sido magnífico, não fora a apresentadora ter-se esquecido do cientista. Repetiu-se um pecado comum das televisões: o de os entrevistadores se apossarem das palavras dos entrevistados para serem eles a botar figura. Claro que isso é fácil quando o discurso se abeira do senso comum, abrindo espaço a ornamentos verbais. Quando toca à ciência, fica mais difícil dar continuidade ao que é dito.
Mas a pandemia veio para dar palco a outros atores, com particular relevo para os responsáveis das associações humanitárias. Entronizados nos postos, viciados por anos de exposição mediática, falam como donos de todas as certezas, numa competição ridícula com os ‘filósofos do futebol’. Quem tem memória dos factos não pode deixar de fazer uma incómoda associação aos chefes da Mocidade Portuguesa e do Movimento Nacional Feminino, dos tempos do Doutor Salazar. É lastimável que a comparação tenha de ser feita, mas é o que temos.
Voltando à Ciência. Entre as desgraças que espalhou, a covid-19 teve o mérito de chamar a atenção para a convergência dos vários ramos do conhecimento científico no enfrentamento de um problema global. Lá fora e cá dentro, nunca se tinha visto uma tão grande conjugação de saberes diferentes em benefício de um objetivo comum: dos médicos aos biólogos, dos químicos aos matemáticos, todos se concertaram e todos ajudaram a desbravar caminhos desconhecidos. Oxalá o exemplo frutifique, tanto no Estado como nas empresas.
A investigação pela investigação sempre fez avançar o mundo, mesmo quando esquecida em anónimos gabinetes e laboratórios, mas a sua utilidade torna-se mais evidente se aplicada na resolução de problemas concretos. Pena é que os políticos não consultem os cientistas na hora de desenharem as políticas ditas estruturais, contentando-se com a superficialidade dos debates parlamentares. Lá está… falar com base científica é mais difícil.