Há sempre uma forma de manter a ilusão, e Luís de Matos encontrou uma maneira segura e original de continuar os espetáculos: levar as pessoas em regime drive in ao seu Estúdio33. Assim que lançou as primeiras datas, os bilhetes esgotaram em 24 horas e rapidamente a ideia de usar o espaço como palco para colegas de outras artes veio a lume. No passado sábado, Pedro Abrunhosa foi o primeiro, dando um concerto neste formato. Falámos com o ilusionista para perceber um pouco melhor o conceito.
Os bilhetes esgotaram em 24 horas. Por que acha que tal aconteceu?
Sinto que este jejum de espetáculos ao vivo, em que a atual pandemia nos colocou, faz surgir a saudade de sentir e aplaudir os artistas que sempre acompanhámos e que nos transportam para um universo de sensações que os nossos sentidos exploram e desfrutam. A necessidade é mútua. Espetáculos ao vivo são uma espécie de oxigénio, comunicação e partilha, cuja falta é sentida por quem os faz e por quem a eles assiste. Uma saudade de viver e sentir cultura que não esteja exclusivamente disponível num qualquer dispositivo tecnológico. Dois meses depois, estamos cansados de olhar para televisões, computadores, tablets e telemóveis. A reinterpretação do Estúdio33, para dar vida a este novo projeto, foi muito bem recebida e aplaudida por muitos. Mas não… jamais poderia esperar que o espetáculo esgotasse 24 horas depois de ser anunciado. Estamos muito gratos!
Quando começou a magicar esta ideia? De onde surgiu?
Quando tudo isto aconteceu levei algum tempo a processar e a reagir. Depois, surgiu a pergunta que a todos se coloca: ‘afundar ou nadar?’ e começámos a pensar no que poderíamos fazer juntando o que somos e o que temos à nossa disposição. Apesar de, há mais de uma década, entrarmos diariamente no parte de estacionamento do Estúdio33, jamais uma tal ideia nos havia passado pela cabeça. Certo dia, face às circunstâncias, a criatividade fez acender a luz e aqui estamos nós tão entusiasmados como em qualquer outro dos desafios que nos últimos 25 anos enfrentámos.
Que produtores e promotores o contactaram para replicar o conceito?
Desde o início percebi que nada me daria mais prazer do que ver outros artistas a juntar-se a nós, neste humilde plano de contingência para a cultura no que a espetáculos ao vivo se refere. Convidei artistas que admiro e que tenho a sorte de poder considerar amigos. A reação não podia ter sido melhor. O primeiro já anunciado é o Nilton, com o seu espetáculo Falta de Juízo (a 6 de junho). Gosto de ver o ‘Estúdio33 Drive In’ como o local onde a estrada acaba e a cultura se celebra, seja ela na forma de música, magia, humor, teatro ou dança. Outros produtores e organizações nos pediram para contribuir para os seus próprios projetos semelhantes ao nosso. Vivemos tempos de mudança!
No seu caso, o confinamento aguçou a criatividade? Ou foi a necessidade o motor por detrás desta ideia?
Rapidamente começámos a perceber que era importante e necessário encontrar vias para interromper este jejum imposto. Imaginemos o que acontece quando pegamos numa planta de exterior e a colocamos numa despensa sem luz natural… começa a definhar. Acho que é isso que nos pode acontecer e temos que contrariar essa tendência para que não se converta numa inevitabilidade. Este mês a minha equipa celebra 25 anos de sucessos, insucessos, sonhos e adversidades. Se algo levamos na bagagem é a capacidade de nos reinventarmos e tentar sempre olhar para as situações de um modo que vai para além do óbvio, numa perspetiva tão positiva quanto possível, conjugando ambição e humildade.
O que podem esperar os espetadores?
Genericamente poderão contar com o nosso melhor, depositando como sempre toda a nossa paixão e empenho em tudo quanto fazemos. Queremos proporcionar uma experiência única e inesquecível, em tempos de exceção e sem precedentes.
Já estava habituado a usar a tecnologia nos seus espetáculos. Este espetáculo vai juntar todo esse conhecimento e levá-lo ao nível seguinte?
O novo paradigma que enfrentamos, e queremos ajudar a construir, abre portas à criatividade, que deve, da forma mais surpreendente possível, contrariar a contingência usando-a como força motriz. Atos tão simples e vulgares como pedir a um espetador que baralhe as cartas e escolha uma, seriam um hino ao potencial contágio em altura de pandemia. Garantir a segurança, lutar por reduzir o distanciamento social garantindo o distanciamento físico está na base da criatividade que se impõe. Uma situação dessas em que um espetador escolhe fisicamente uma carta pode substituir-se pelo simples pensar numa qualquer e, por exemplo, através de videochamada feita do seu telemóvel desde o interior da viatura, confirmar no ecrã gigante que eu terei conseguido adivinhar a identidade da carta simplesmente pensada. É todo um novo mundo que se nos abre.
Se tivesse que definir este espetáculo numa palavra, qual seria?
É fácil explicá-lo em meia dúzia de parágrafos, é igualmente possível fazê-lo utilizando cinco palavras, por isso lhe chamámos Luís de Matos Drive In, mas se ficarmos limitados a um único vocábulo seria… ‘juntos’!
É assim que sentimos o desafio que estamos a viver e que está na génese deste nosso projeto. Este é o tempo de pensar em ‘nós’ como uma comunidade que receberá, em troca, quando tudo for uma memória distante, o prémio proporcional à forma como soube interagir na dificuldade e na incerteza.
Como estão a ser os ensaios? Está a recorrer a ‘cobaias’?
Tudo está a acontecer sob desígnio da ‘segurança’ e da ‘criatividade’. Por exemplo, nos 4.500 metros quadrados de estacionamento do Estúdio33 poderiam chegar a caber mais de 200 carros. Porém, por segurança e visibilidade a lotação máxima será apenas de 70 viaturas. Fizemos testes pedindo à equipa e a amigos que trouxessem os seus carros e percebemos como, na prática, melhor podemos gerir a utilização do espaço. O espetáculo decorrerá na fachada do edifício sem recurso a estruturas extra, que se revelariam pouco estéticas e nada orgânicas. Misturaremos vídeo-mapping com iluminação, transmissão multi-câmara e até mesmo as próprias árvores do jardim serão protagonistas em determinado momento.Está tudo a acontecer muito rápido e sente-se o frenesim próprio dos momentos que sempre antecedem a criação de algo novo e especial.
É mais aborrecido trabalhar sozinho ou a sua equipa está envolvida de alguma forma?
Tudo o que faço só acontece porque é criado em equipa. Cedo aprendi a reconhecer e agradecer. Desta vez não foi diferente.